A LEI MARIA DA PENHA EM UM CENÁRIO DE OPRESSÃO

A legislação específica ao gênero feminino evidencia problemas sociais históricos. No último levantamento da Secretaria da Segurança Pública do estado de São Paulo foram registrados, até fevereiro deste ano, 22.399 casos de violência contra a mulher

Por: Patricia Asari

Desde a constatação de sua necessidade, sua publicação, regulamentação e aplicação, uma lei passa por muitas etapas: a verificação da existência de uma questão que não se encontra devidamente amparada pelos dispositivos legais, debates, redação, modificações, votações, vetos e aprovações. Questiona-se sobre a profusão de dispositivos legais para proteger grupos específicos e argumenta-se que tais grupos também são defendidos na legislação geral.

Há sentido nesse questionamento no que se refere à grande quantidade de textos legais que torna mais difícil, a muitas pessoas que não são da área jurídica, uma percepção global de quais são seus deveres e direitos. Entretanto, se existe o debate sobre a necessidade de leis para a proteção de grupos determinados (e.g. menores de idade, deficientes, homossexuais e mulheres), é porque os problemas por eles vividos têm diferentes raízes e especificidades que tornam o questionamento relevante e requerem medidas diferenciadas.

No caso da mulher, desde tempos muito remotos, ela foi tratada, em diversos lugares e momentos, como um ser inferior ao homem. A Grécia, berço da civilização ocidental, a posição da mulher era sempre de submissão e grandes religiões e a cultura arraigada por milênios norteiam que assim permaneçam. Essa ideia é tão antiga que é difícil conhecer sua origem. Quando nos deparamos com uma sociedade matriarcal, como as aldeias Ede do Vietnã, somos tomados de assombro e estranhamento, tendo a sensação de que um povo que realmente existe não pareça apenas distante, mas irreal. Entretanto, quando vemos trogloditas arrastando mulheres pelos cabelos em filmes, desenhos ou estórias em quadrinhos, a imagem parece natural e até cômica, apesar de não termos muitos registros de como era a vida dos primeiros homens, por isso denominados “pré-históricos”.

Atualmente, após muitas lutas e conquistas, a mulher continua a enfrentar problemas que demandam legislação específica. A Lei Maria da Penha, principalmente por não ser conhecida apenas pelo seu número, mas pelo nome de uma mulher vítima de violência praticada pelo marido, trouxe um rosto e uma história para um problema muito grave, permitindo que muitas pessoas se identificassem, como vítimas, agressores ou testemunhas. A lei trouxe avanços de ordem jurídica, alterou o Código Penal, possibilitando que agressores de mulheres em âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada. Os agressores também não poderão mais ser punidos com penas alternativas. A legislação aumenta o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos; a lei prevê, ainda, medidas que vão desde a remoção do agressor do domicílio à proibição de sua aproximação da mulher agredida.

Além desses avanços, a Lei Maria da Penha teve um papel importante ao trazer à discussão pela sociedade um problema que causa o sofrimento de muitas mulheres e que muitas vezes reagem apenas sentindo vergonha, mesmo sendo vítimas. No último levantamento da Secretaria da Segurança Pública (SSP), no Estado de São Paulo foram registrados, até fevereiro deste ano, 22.399 casos de violência contra a mulher (confira os números detalhados no gráfico). As ocorrências vão de violência física a verbal ou moral.

Não são poucos os casos de mulheres que denunciam posturas opressoras ou intimidadoras de homens conhecidos ou não. Foi o que aconteceu com a pedagoga Alessandra Vaz, 35. Ela afirma que após fazer o registro de um boletim de ocorrência em uma das delegacias de Presidente Prudente, um dos policiais que a atendeu passou a persegui-la. “Ele se aproveitou do meu B.O e a partir do momento que eu saí da delegacia ele começou a me mandar mensagens e me ligar. Eu procurei um advogado e acabei denunciando esse cara para corregedoria”. Para Alessandra esse autoritarismo dos homens é o principal motivador do preconceito contra as mulheres. “A mulher está muito vulnerável, chegamos ao ponto em que dentro de um local em que você pensa estar mais seguro, como uma delegacia, você também seja julgado pela sua roupa e não pelo seu caráter. Você não espera ser assediada, ainda mais lá dentro”.

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