AFINAL, O QUE É SER MULHER?

Não é possível falar sobre mulheres sem falar de feminismo. Somente ele é capaz de desvencilhar a mulher do que a sociedade prega sobre e para ela.

Por: Amanda Antunes, Giovana Farias, Karen Dantas, Karime Vilela, Leandro Soares, Nadia Ribeiro e Thauana Pulido

Não é possível falar sobre mulheres sem falar de feminismo. O movimento, que luta contra a opressão e pela igualdade entre os gêneros, nasceu de forma gradativa e ganhou força nas últimas décadas. O que torna impossível falar sobre mulheres sem passar pelo feminismo é que somente ele é capaz de desvencilhar a mulher do que a sociedade prega sobre e para ela.

“Eu consigo definir minha vida em duas fases, a Yasmin antes e a Yasmin depois do feminismo”. É assim que a estudante de Serviço Social Yasmin Marques se descreve. Foi no segundo ano do ensino médio que ela conheceu as renomadas filosofas Simone de Beauvoir e Hannah Arendt, principais escritoras do feminismo, e a partir daí passou a ter curiosidades sobre a relação histórica da vida das mulheres, como o motivo de homens poderem certas coisas que para mulheres é considerado errado ou mal visto moralmente.

A estudante conta que “antigamente julgava uma mulher por sua roupa, como se isso justificasse o estupro. Achava que a mulher que escolhesse abortar era vagabunda e deveria ser presa”, coisas que parecem pequenas, mas que hoje vê o quão machista é. 

Em 2014 ela ingressou no curso de Direito e lá identificou inúmeros conteúdos e pensamentos machistas como a base do curso. “É algo antigo, quase sempre dominado por homens, cheios de piadas contra mulheres e seus movimentos, comecei a perceber que havia algo errado e a me questionar, e foi aí que tomei a decisão de mudar para o curso de Serviço Social, que sempre foi minha segunda opção”. A mudança de curso levou a estudante a, finalmente, entender qual é a função social da mulher, que historicamente tem uma trajetória sofrida.

A estudante de Ciências Contábeis Polliany Maisa Alves foi vítima de piadas raciais e machismo dentro da própria família. Filha de mãe branca e pai negro, “que nega esse fato talvez por problema de aceitação ou por ter vindo de uma família birracial”, e com uma irmã branca, Polliany cresceu ouvindo que era morena, não negra. “Quando eu era criança eu era a única neta negra dos meus avós maternos, então sempre fui vítima de piadinhas raciais que, mesmo disfarçadas com ‘afeto’, causavam certo mal-estar”.

Aos 20 anos de idade se mudou para uma cidade de maior porte do que a sua de origem, para ingressar em uma universidade pública, que lhe ofereceu experiências até então desconhecidas, com impacto maior dentro da universidade. A liberdade dos discentes negros, homossexuais e mulheres lhe causada espante o euforia. “Aos poucos fui me percebendo naquele contexto. Percebi que militantes dos movimentos negros tinham a cor da minha pele e que as mulheres engajadas em movimentos feministas tinham opiniões e pensamentos semelhantes aos meus”.

Durante os três anos que está na cidade as mudanças foram acontecendo aos poucos. Começou a participar como ouvinte das reuniões dos movimentos estudantis, a defender as causas raciais, LGBT’s e feministas em rodas de conversas entre amigos, e buscou amparo na literatura para aperfeiçoar seus conhecimentos. “Além disso, me libertei da ditadura da beleza feminina, e há oito meses entrei em transição capilar para assumir meu cabelo crespo. Também ouve mudanças em relação à política, no qual tive conhecimento do papel desta para o desenvolvimento econômico, ambiental e social no meu país e no mundo”.

Yasmin explica que existem diversas vertentes dentro do feminismo e que não concorda com todas, mas entende que o feminismo em si trata da igualdade entre os gêneros, no qual a mulher deve ter os mesmos direitos que os homens em todos os sentidos, seja socialmente, legalmente ou moralmente. “Um homem pode sair e fazer o que bem entender, beijar quem quiser e ainda ser visto como bom, mas se uma mulher faz isso, é chamada de vagabunda, piranha, e é nisso que o feminismo quer agir, para quebrar essas barreiras. Usando uma frase que está sendo muito usada: seu corpo, suas regras”.

Ela ainda frisa que a diferenciação na maneira como a mulher e homem são vistos em sociedade são facilmente exemplificadas. “Mulher sempre precisa se justificar. Se ela quer queimar sutiã na rua, ou ficar nua em forma de protesto, precisa ter justificativa, já o homem pode fazer piadas, andar sem camisa, e com toda a liberdade”.

Apesar das mudanças pelas quais Polliany passou seu núcleo familiar não a acompanhou nessa trajetória. Ela ainda encontra barreiras para tratar sobre assuntos raciais, pois seus pais e irmã negam o fato de que ela é negra. Defender os direitos das mulheres também não é fácil uma vez que seu pai compartilha de ideias conservadoras e machistas, portanto, quanto tenta argumentar, a discussão é inevitável. “No meu curso, composto por maioria por docentes homens brancos e com poucos discentes negros, também encontro dificuldades para tratar desses assuntos, principalmente sobre questões políticas. Em poucos minutos de debate já sou ‘acusada’ de ser petista comunista e suas variações”.

A universidade foi fator determinante em sua vida pois nela está se descobrindo e aceitando. Foi nela que entendeu qual lugar ocupa na sociedade e quais são as consequências dessa posição, além de perceber a sua capacidade como agente de mudança política e social.

MULHER E MERCADO DE TRABALHO

Marli Farias de Oliveira é uma mulher que se diferencia quando o assunto é trabalho. Com setes anos já trabalhava na roça, migrou para a cana e após aprender com seus irmãos, virou pedreira. Sua vida se resumiu a cerâmicas, concretos e pinturas até se aposentar. Para ela, isso nunca foi motivo de vergonha, pelo contrário. “Para quem está começando agora, eu já vi muitas mulheres mais novas colocando cerâmica, fazendo concreto, pessoas com vontade de aprender que até me pediram para ensinar, eu dou a maior força para elas. Acho muito bonito as pessoas que trabalham com esse tipo de serviço”. E ressalta. “Mulher não é sexo frágil, de jeito nenhum. Mulher sabe fazer de tudo. É só querer e ter força de vontade. Não tem preconceito. Preconceito é coisa da cabeça das pessoas”.

Apesar dos direitos conquistados por elas ao longo dos últimos anos, como no mercado de trabalho, ainda persiste a exclusão feminina na distribuição dos cargos de liderança. De acordo com pesquisa realizada pela Catho em 2015, elas ainda recebem até 30 a menos que os homens no mesmo cargo.

Apesar disso, o advogado trabalhista Elizeu da Silveira Rosa, diz que não existe um preconceito exacerbado quanto a tempos remotos no que tange o sexo feminino, já que atualmente as mulheres têm se aperfeiçoado e buscado seu lugar no mercado de trabalho. “Não vejo no âmbito da justiça do trabalho que as mulheres se sintam intimidadas. O fato da maior quantidade de processos envolvendo o sexo masculino se dá em razão da quantidade de homens envolvidos no mercado, com as mulheres ainda cuidando do lar” acrescentou.

Silveira afirma que em outros anos o número de processos que envolviam mulheres podia ser mais alto por preconceito ou intimidação e “se compararmos dados estatísticos é possível verificar que a inclusão feminina no mercado de trabalho tem sido considerável”, concluiu.

Em 1964 um grande passo foi dado na luta das mulheres, a criação do Estatuto da Mulher Casada, garantia entre outras coisas, que a mulher não precisava mais de autorização do marido para trabalhar, receber herança e, em caso de separação, ela poderia requerer a guarda dos filhos. Em 2006 a promulgação da Lei Maria da Penha foi importante instrumento de enfrentamento à violência doméstica para as mulheres.

Segundo Daniela Marrey, delegada responsável pela Delegacia da Mulher de Presidente Prudente, o advento da lei ocorrido há dez anos, trouxe aumento inicial no número de registros de ocorrência, contudo, atualmente, os dados estatísticos têm se mantido com poucas variações. “Percebemos que o conhecimento da Lei causou nas vítimas um sentimento de ‘empoderamento’ e, por conseguinte, um aumento nas notificações dos delitos”. Ainda de acordo com ela, os casos com maiores números de ocorrência registrados na Delegacia de Defesa da Mulher de Prudente são os de lesão corporal leve, Ameaça e Injúria.

Todos os organismos de atendimento às mulheres em situação de violência como a Lei do Feminicídio, sancionada em março de 2015, que alterou o Código Penal ao tipificar o homicídio cometido contra mulheres por motivação de gênero, existem para que as elas possam ter uma vida mais digna e sem medo de agressões.

Mas, segundo o delegado Airton Roberto Guelf, a lei principal de proteção às mulheres ainda é a Lei Maria da Penha. Ela traz questões basicamente processuais, como a prisão e decretação da prisão preventiva. Não se aceita mais aquela lei onde o praticante do ato só era sujeito a pagar cestas básicas. “Hoje é seguido um rito ordinário, onde há possibilidade da prisão. A vítima quando está decidida, disposta a denunciar, encara de forma diferente, busca ajuda, a inibição é menor. Mas, infelizmente por pressões psicológicas ou por amor ela cancela a denúncia acreditando na mudança do parceiro. ’’

Apesar de ter leis ao seu lado, para que seus agressores sejam punidos por seus atos, muitas mulheres acabam dando a famosa segunda chance, também chamada de “cultura do perdão”, e na maioria das vezes o ato se repete.

Para a delegada também existem outros motivos que interferem na decisão da vitima de não denunciar o agressor. “Não existe um padrão pré-definido, mas observamos que a dependência financeira, o medo de represálias após a denúncia, vergonha, são os principais motivos que levam a vítima a não denunciar”, diz.

Daniela ainda complementa que a cultura do perdão também é conhecida como “ciclo da violência”, sendo este formado pelas etapas: tensão-agressão-reconciliação, onde após cometer a violência, o agressor se mostra arrependido, convencendo a vítima a não prestar queixa contra o mesmo, onde a situação só se altera quando a mulher acaba sendo agredida novamente.

Apesar de ter leis ao seu lado, para que seus agressores sejam punidos por seus atos, muitas mulheres acabam dando a famosa segunda chance, também chamada de “cultura do perdão”, e na maioria das vezes o ato se repete.

Para a delegada também existem outros motivos que interferem na decisão da vitima de não denunciar o agressor. “Não existe um padrão pré-definido, mas observamos que a dependência financeira, o medo de represálias após a denúncia, vergonha, são os principais motivos que levam a vítima a não denunciar”, diz.

Daniela ainda complementa que a cultura do perdão também é conhecida como “ciclo da violência”, sendo este formado pelas etapas: tensão-agressão-reconciliação, onde após cometer a violência, o agressor se mostra arrependido, convencendo a vítima a não prestar queixa contra o mesmo, onde a situação só se altera quando a mulher acaba sendo agredida novamente.

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