Metodologia de ensino facilita a aceitação dos jovens

Aulas de Sociologia, Filosofia, Psicologia e Antropologia dão alicerce para a formação de futuros jornalistas unindo teoria à discussão em sala.

Por: Thais Ferreira

Os alunos inquietos acabaram de voltar do intervalo, os ânimos exaltados ainda não se adaptaram ao ambiente fechado. O professor sério entra na sala, o burburinho e os risos não cessam. Sem dizer uma palavra ele joga uma folha de sulfite na mesa, de maneira inexplicável todos podem ouvir o atrito do papel com a madeira. A atitude silenciosa foi suficiente para prender a atenção e todos, mas não seria o silêncio absoluto característica comum no minuto seguinte e muito menos nas próximas semanas.

O professor que causou uma impressão contrária à realidade do método por ele empregado ministra Sociologia e Filosofia na Faculdade de Comunicação Social de Presidente Prudente (Facopp). Wagner Aparecido Caetano, 36, encontra-se com os estudantes de jornalismo uma vez por semana.

Para o professor, a Sociologia está totalmente integrada ao estudo de jornalismo pois o aluno entende que para trabalhar com as pessoas é preciso conhecer a história e a formação do meio social. “O aluno pensa na própria vida e na vida em sociedade. A Sociologia é uma disciplina que é construída conforme a aula. Ela não é um paradigma pronto, um teorema pitagórico de 2.600 anos que está ali. Ninguém muda Pitágoras. Sociologia e Filosofia mudam a toda aula e a todo momento com a participação do aluno”, explica com firmeza nas palavras.

Mesmo despertando a paixão dos estudantes, a Sociologia e a Filosofia não tem aceitação histórica perante os governantes. Elas foram excluídas da grade curricular do ensino fundamental, médio e até mesmo de instituições de ensino superior. “O golpe Militar dentro da sua ideologia prega que a escola deve ser conduzida por pessoas que somente obedecem. Obedecer é formar uma massa que não pensa. Por que tirar a Filosofia e Sociologia? Porque são disciplinas que ensinam crítica ou que apontam para a possível mobilidade social, fuga do inconformismo, e te levam a uma transformação interior e a transformar o mundo que vive”, diz.

Por consequência dos empecilhos impostos pela sociedade criou-se uma imagem em torno de ambas as teorias do saber. Elas não produziriam nenhum benefício imediato. Filosofia e Sociologia não constroem casas, não buscam a cura para doenças, diretamente não tem nenhuma função. “Talvez por uma tradição, pós-Regime Militar, nós não perguntamos ao professor de Português: Por que estudar português? Nós não perguntamos ao professor de matemática: Por que estudar matemática? Mas nós perguntamos ao professor de Filosofia e de Sociologia: Por que estudar essa matéria? Até porque nos falta uma clareza do que é essa matéria. Função que o professor pode resolver. E resolvido isso na primeira e na segunda aula, os melhores alunos e as melhores aulas estarão com certeza na aula de Filosofia e na aula de Sociologia porque elas são aulas vivas; em qual se reflete sobre o sujeito em sociedade”, conta.

Mas o que é útil? Segundo o dicionário “adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício; vantajoso, proveitoso”. E de acordo com a filosofia? Tudo depende do modo como a noção de “utilidade” é compreendida socialmente, culturalmente, economicamente e até mesmo dentro do conceito temporal.

O ensino de Sociologia e Filosofia na faculdade de Jornalismo tem o objetivo de despertar no aluno o senso crítico e a preocupação ética na relação humana exigida pela profissão. O professor de Filosofia, Munir Jorge Felício, 58 anos, sendo mais de trinta deles dedicados à docência destaca a importância do desenvolvimento do raciocínio filosófico, reflexivo e crítico. “Os jornalistas são os responsáveis pela construção da realidade social. A filosofia não vai ensinar um jovem a ser jornalista, mas vai ensinar o jornalista a como fazer perguntas.”

Por quê?, Como? , Para que? e De que é feito? . Essas são algumas indagações que um jornalista deveria fazer ao se deparar com uma informação, mas também são atitudes filosóficas de inspiração aristotélica Causarum Cognitivo (Conheça através das causas). O filósofo é aquele que diz ‘não’ ao senso comum. A atitude filosófica está em fazer interrogações sobre ideias, conceitos, acontecimentos e comportamentos comuns a todos. Esse comportamento questionador presente nos filósofos obrigatoriamente deveria pertencer também aos jornalistas. “A filosofia, a sociologia e a psicologia, por exemplo, vão contribuir para a formação da mente do jornalista. Essa mente é que vai desenvolver, ao longo do tempo, seu trabalho profissional com base em todo aquele arcabouço que ele recebeu durante sua graduação”, conta.

No livro Explicando a Filosofia com Arte (editora Ediouro, 2004) o autor, Charles Feitosa destaca com base no ensaio Quem pensa arbitrariamente? , de G. W. F. Hegel (1770-1831) a pretensão da Filosofia em buscar novas interpretações e em não se contentar com apenas uma perspectiva, assim como no jornalismo. “Tratar um criminoso apenas como criminoso, sem considerar sua história familiar, suas condições sociais ou circunstância de exclusão, é parcial e injusto.”

O jornalismo é um trabalho voltado à sociedade, um organismo vivo, em constante transformação. As aulas devem ser mais do que uma obrigação, cabem aos estudantes aproveitarem ao máximo esse momento raro, em meio ao bombardeio contínuo de informação, para refletir. A estudante Camila Rocha, 19, 3°termo de Comunicação Social, pretende seguir a carreira de jornalista. A aluna encontra nas aulas um momento para aprender sobre a humanidade. “Essas disciplinas proporcionam conhecimento referente ao desenvolvimento gradual do homem e a inter-relação dos seres humanos, eu gosto dessas matérias principalmente por causa do método de ensino dos professores”, conta.

Dentro de uma sociedade, obviamente, haverá indivíduos que não aceitam ou não são capacitados para compreender a importância do pensamento lógico, da persuasão e do questionamento constante. Pode ser por medo de perder a hegemonia do poder, afinal quem comanda sabe o que é Filosofia e o que é Sociologia. Reconhece o quão é perigoso para os governantes que a população desconfie do mundo tal como ele é. Uma vez que os olhos se abrem para um novo mundo não mais serão fechados para as mazelas das grandes cidades, por exemplo.

O jornalista é exposto diariamente a uma quantidade exorbitante de acontecimentos, o profissional acaba anestesiado e perde aos poucos sua sensibilidade. O jornalista aos poucos se distancia da realidade e consequentemente afasta da população a possibilidade de administrar as informações de maneira crítica. Felício enfatiza a função do bom profissional da informação: “ajudar a outra pessoa a fazer questionamentos é um trabalho que o jornalista aprende na faculdade de comunicação, através de disciplinas de caráter filosófico.”

A ORIGEM E O PENSAMENTO HUMANO

Analisar a atitude do jornalista perante um fato vai além da Filosofia e da Sociologia. No campo da Psicologia, Sigmund Freud escreveu em 1901 a obra ‘Sobre a psicopatologia da vida cotidiana’ (editora Imago, 1901), no qual mostrou pela primeira vez que o olhar é condicionado pela cultura, ou seja, inconscientemente preconceitos, traumas, afetos, preferências, por exemplo, irão interferir na atitude do individuo perante um acontecimento. estudo da Psicologia na faculdade é um alicerce para o futuro profissional aprender a lidar com seus anseios e a reconhecer a impossibilidade de total imparcialidade.

No jornalismo ser imparcial é uma utopia buscada freneticamente, às vezes muito infrutífera, porém necessária. A consciência de que não existe “observador neutro” permite ao profissional a capacidade de ao menos tentar o distanciamento. O professor de Psicologia, Igor Costa Palo Melo, 38, esclarece a relação da disciplina com a profissão jornalista. “Falar de jornalismo é falar do exercício de atividades que são comportamentais e subjetivas, então o conhecimento da psicologia ajuda na compreensão o que é necessário fazer para produzir a informação, para produzir uma notícia especificamente falando”.

A produção de notícias para os meios de comunicação desafia os profissionais diariamente com o deadline (a hora em que tudo deve estar pronto nas edições). Em meio à dominação da internet e à crescente necessidade de atualização contínua de conteúdo obriga os jornalistas a abrirem mão de ensinamentos bases da profissão como a apuração detalhada e ouvir sempre os dois lados de um fato. “A internet dificulta a reflexão, por que ela dilui nas redes sociais aquilo que antigamente estava concentrado na grande mídia, isso impede uma reflexão mais profunda sobre o tipo de informação que nós temos, o tipo de informação que nós queremos e o tipo de sociedade que queremos construir”, conclui Melo. As redes sociais são consequências de uma nova forma de comportamento e de cultura instaurada ao longo dos anos.

A construção da cultura do homem de acordo com a Antropologia está relacionada a produção e as práticas exercidas pelos seres humanos. São as instituições, valores materiais e espirituais, anseios, temores, desejos, expressões artísticas, religiosas, científicas de maneira coletiva. Para o professor de Antropologia, Guilherme Saade Floeter, 27, o estudo de Antropologia é positivo não apenas para um futuro jornalista. “A Antropologia traz uma contribuição para todo mundo, quanto ser humano, primeiro porque é uma disciplina que vai se preocupar em pensar a diferença a questão do outro a alteridade”, exemplifica. Floeter evidencia ainda a presença dos métodos antropológicos na rotina jornalística. “Um jornalista que irá entrar em contato com outros pontos de vista. O jornalista fala A e a pessoa entende B, porque o B dentro da cultura específica da pessoa é o A. Então a Antropologia traz esse tipo de compreensão de pensar a diferença”, diz.

A carga horária atribuída a disciplina é de 40 horas semestrais, assim como para Filosofia, Sociologia e Psicologia. A aceitação dos estudantes perante tais disciplinas é um reflexo dessa cultura comum, ou seja, quem opta por estudar jornalismo compartilha de interesses, pensamentos e opiniões. O estudo de saberes que favorecem a reflexão despertam dúvidas como: Para que serve a comunicação? Como ela pode aprimorar a sociedade? E principalmente como cada um pode interferir nesse meio social.

O que pode prejudicar o aproveitamento desse espaço para a reflexão vem do próprio estudante. Felício destaca como a competição com a internet pode ser desleal, mas não é impossível. “A grande questão é: como fazer esse jovem, hoje, aprender a raciocinar, aprender a fazer questões? Existe uma maneira de atrair os jovens dentro da sala de aula, provocando, incitando ele a analisar realidades, a verificar dentro do campo aonde ele vai ser um futuro profissional a trabalhar. Em uma sala de aula de 40 discentes, não são os 40, evidente, que vão se interessar”, relata. Mas é evidente que aquele que se interessa se destaca por sua capacidade cognitiva para lidar com as informações, com as pessoas, dados, notícias, opiniões e conceitos próprios ou adquiridos.

PODCAST WAGNER APARECIDO CAETANO