Um meme vale mais que mil palavras 

Situações engraçadas e jargões se tornam formas de expressão entre jovens na internet 

Por Ariane Balbino, Beatriz Monteiro e Milena Bispo

Acordar, pegar o celular, rolar o feed, dar gargalhadas e compartilhar com os amigos aquele meme. Bom, bora levantar e trabalhar para sustentar o espírito de burguês, porque ninguém aqui é a Betina, tem 22 anos e 1 milhão e 42 mil reais de patrimônio acumulado. No caminho até o trabalho, assistir aquele vídeo engraçado. No horário de almoço, compartilhar figurinhas de amigos no Whatsapp. E até o fim do dia, com certeza, mais memes irão surgir como novos meios de comunicação. Sco pa tu manaa?  

Se você entrou no Twitter nos últimos meses, sabe do que se trata “sco pa tu manaa”. É a nova gíria do momento usada pelos jovens. Como meme, o jargão de origem havaiana ganhou significado próprio. Nas redes sociais pode ser traduzido como “o que isso te lembra?”. A frase se tornou viral após o cantor Daavi Neba lançar em parceria com Patapaa o clipe da música “Kawoula Biov”. Após o lançamento, as pessoas começaram a postar imagens com a frase como legenda, o que poderia ser uma referência à música ou a uma maneira de perguntar aos seguidores suas experiências com o assunto da imagem.  

Os memes podem, de forma inofensiva, zoar algo visto como tosco pela maioria das pessoas, em especial os jovens. Ou ainda, representar alguma situação do cotidiano com a qual todos, juntos e shallow now, identificam-se. Segundo a psicóloga Luciana de Paula Alves, os jovens usam os memes para se expressarem nas redes sociais por ser mais fácil e superficial. Eles não precisam se expor e se aprofundar, e também não entram em contato com alguns sentimentos com os quais podem não saber lidar. “Então os memes podem ser uma forma de se expressar, mas também de se refugiar. Alguns simplesmente não sabem se colocar por meio da escrita e então buscam nos memes uma forma de se comunicar”, explica. 

Caracterizado por si mesmo como tímido e quieto, o comediante Lucas Cavalcanti, 28 anos, conta que apesar da timidez, sempre gostou de fazer os outros rirem. Após uma lesão nas costas, viu-se em dúvida de qual caminho seguir nas redes sociais, já que o público que o acompanhava tinha interesse em assuntos relacionados à academia, que era seu foco naquele momento. Mas ele se encontrava na situação de No puedoestoy con la costa duele. E, por brincadeira, Lucas levou para a internet o gosto que tinha por fazer as pessoas rirem e viralizou. 

Atualmente, com 26 mil seguidores no Instagram, olokinho meu!, a brincadeira virou trabalho. Lucas diz que suas ideias para os memes vêm de momentos do dia a dia. Os memes, feitos com a própria imagem do comediante, também têm como objetivo promovê-lo e mostrar ao público que seu trabalho é autoral. 

Para Lucas, o humor é uma forma de quebrar barreiras para tocar em certos assuntos que seriam mais difíceis de falar sobre se não fosse pelos memes, além de facilitar a comunicação entre os jovens. 

“Hoje em dia acontece algum assunto, seja de política ou de celebridade, já está tudo na internet, já está todo mundo postando meme. E muita coisa você fica sabendo que aconteceu pelos memes. Não passou nem na televisão ainda, nem foi para os veículos de comunicação e já está na internet.” 

Exemplo de informação por meio de memes é a página “Prudente Imprudente”, administrada por Leandro Ribeiro de Oliveira, 30 anos, que tem a serenidade no olhar de quem tem mais de 84 mil curtidas no Facebook. A página trata de assuntos e momentos do cotidiano da cidade de Presidente Prudente de forma humorística, no entanto, tem se tornado uma forte fonte de informação nas redes sociais, conseguindo balancear as postagens entre pautas informativas e memes. 

Leandro conta que percebeu que estava alcançando um público maior quando deixou de comentar e recebeu mensagens para falar sobre alguns assuntos. Para ele, o processo de criação ocorre espontaneamente, “às vezes ocorre algum acontecimento que por si só é engraçado e as legendas saem naturalmente, como em uma conversa de amigos”. 

A identificação dos jovens com os memes, como destaca Leandro, vem da vontade de fazer piada com o momento, seja ele bom ou adverso. “O meme talvez tenha vindo como uma maneira de substituir outros tipos de humores que já existiram antigamente. E, por meio do humor, pode-se falar coisas que talvez você não conseguiria, não poderia e não teria autorização para falar se não fosse dessa maneira”, confirma Carolina Mancuzo, jornalista e coordenadora do curso de Jornalismo da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste). 

Ela lembra ainda o período de maior destaque dos memes nos últimos anos, durante a Copa do Mundo no Brasil, no qual os momentos mais engraçados do “7×1” viralizaram na internet. É Brasil, saudades do que a gente não viveu ainda. A televisão teve o momento mais memético de todos, pois os jovens estavam nas redes sociais, principalmente no Twitter, produzindo memes das situações mais engraçadas, ao mesmo tempo em que assistiam aos jogos. “Era uma maneira permitida de você acabar com você mesmo, no caso com o nosso país”, diz Mancuzo.

E O BOM SENSO?

O humor tem passado por uma fase de filtragem, não dando mais espaço para piadas com assuntos delicados que atinjam outras pessoas negativamente, como homofobia, gordofobia e racismo.  

Para os administradores da página Dário Mil Graus, Vinícios Biagio, 25 anos e Dário Augusto, 23 anos, muitas pessoas preferem sim postar um meme do que falar o que estão sentindo, mas que apesar disso nem tudo merece piada. “O respeito com o próximo deve estar em primeiro lugar e é responsabilidade nossa, administradores da página, tomar certos cuidados com o que compartilhamos”. 

Apesar disso, o humor também funciona como uma boa ferramenta de discussão. Para a jornalista Carol Mancuzo, o humor está mais inteligente e continua trabalhando com questões que fazem as pessoas pensarem, como a política brasileira. 

Deus me livre, mas quem me dera se a vida fosse só comédia e diversão. É necessário cautela e precaução com o conteúdo que é postado e acessado nas redes sociais. Por trás de todos esses momentos de descontração, é preciso ter certo cuidado ao utilizarmos os memes, pois como toda forma de comunicação, podem ser mal interpretados. 

Se os memes um dia vão acabar? Não sou capaz de opinar, mas espero que não. Por que o Brasil que eu quero é um com muitos memes para nos divertirmos em dias de lutas. E para esses dias, não se esqueça, levanta a cabeça princesa, se não a coroa cai. 

Sobre os memes de 2019, aí Gabi, só quem viveu sabe. E para os memes de 2020, vem tranquilo, vem afobado não. Afinal, não há nada que funcione tão bem no Brasil do que o ditado de que é melhor rir do que chorar. E é verdade esse bilhete. 

GALERIA DE FOTOS | MEU MEME FAVORITO

MEMES NÃO SÃO SÓ BRINCADEIRA | PODCAST

Desde o momento em que acorda até a hora que vai dormir, você vê milhares de imagens circulando na internet. Muitas são de pessoas que você nem sabe quem são. Mas porque não compartilhar mesmo assim, né? Não demora muito e a imagem se espalha pela internet e é compartilhada por muitas pessoas. Para explicar sobre memes e direito de imagem na internet, chamamos Rogério José da Silva. Ele é mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual do Norte Pioneiro de Jacarezinho (PR), possui graduação em Direito pela Associação Educacional Toledo de Presidente Prudente (SP) e graduação em Letras pela UNESP de Assis (SP).

PODCAST DIREITO DE IMAGEM | APERTE O PLAY

Ainda sobre o assunto...

Maurício Silveira é Mestre em Educação pela Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE; especialista em Metodologia do Trabalho Científico e Avaliação do Ensino e da Aprendizagem; professor do curso de Direito da UNOESTE das matérias de Direito Civil e Prática Jurídica Civil; Relator da Décima Segunda Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB de Presidente Prudente (2016/2018), e advogado militante na cidade de Presidente Bernardes (SP).

Quais as leis que proíbem a divulgação da imagem de outra pessoa na internet? 

A lei que proíbe são as regras gerais do Código Civil e as garantias que a Constituição traz. Toda vez que um meme ou qualquer outro tipo de publicação ofender o direito de imagem de alguém, pode haver a possibilidade de reparação de danos, seja no âmbito moral ou material. A jurisprudência é mais firme nestes casos, porque embora seja possível a pessoa entrar com a ação contra direito de imagem, não quer dizer que ela vai obter êxito e conseguir alguma indenização. Mas há doutrinadores que dizem que pela imagem ser sua primeira marca frente à sociedade, se você não quer a divulgação dela e alguém divulgar, apenas por este fato você já teria direito a uma indenização.  

Como ocorre o convencimento do juiz de que ocorreu o dano moral?  

O convencimento é formado pelo juiz não só com a argumentação que é feita pelo advogado, mas com as provas. O juiz aplica a lei a fatos. Apesar da dificuldade da comprovação do dano moral, não sei se seria possível enganar algum psicólogo em relação ao constrangimento que a pessoa vem sofrendo por conta do dano. Ele busca compreender se o homem comum, a média da sociedade, iria ou não se ofender com aquele fato.  

A indenização pelos danos morais ou materiais é paga de que forma? 

Em dinheiro. A princípio, paga-se dano material e dano moral, sempre que houver possibilidade pode ser solicitado retratação, no caso de veículos de comunicação, para tentar consertar o mal que foi feito.  

Os direitos de imagem de uma pessoa anônima e uma pessoa pública são os mesmos? 

Há uma tendência dos tribunais em entenderem que estas pessoas que já tem a sua imagem conhecida, seria mais tolerável usar a imagem delas para estes memes engraçados. Isso não quer dizer que se amanhã aparecer um meme provocando consequências desastrosas na vida destas pessoas ditas públicas, elas não possam entrar com uma ação. Se for possível agredir assim com uma figurinha engraçada, com um meme, com certeza a justiça vai trazer uma condenação e vai se fixar aí um valor de dano moral. Se houver consequências patrimoniais, fica mais fácil, porque é possível comprovar as perdas profissionais e lucrativas que a pessoa teve, o que facilita até de fixar o valor da indenização por dano material. 

Uma pessoa autorizou o uso da imagem dela para um jornalista. Posteriormente, outras pessoas usaram a imagem para a criação de um meme. Quem responde por isso? O veículo de comunicação que divulgou a imagem primeiramente ou a pessoa que fez o meme? 

A notícia do jornal em si não causou danos a ninguém, foi apenas a base, então o veículo de comunicação não pode ser responsabilizado. A partir daí nós temos que encontrar quem fez esta alteração da imagem e a transformou em meme. Neste caso, dependendo do tipo de meme que foi enviado, ou se houve consciência de causar danos ou não a alguém, as pessoas que também publicaram e compartilharam este meme podem ser responsabilizadas. 

Se uma pessoa permitiu o uso de sua imagem para divulgação do meme, como posso provar esta permissão? 

Os meios de prova numa ação judicial podem ser todos aqueles que estão previstos no ordenamento jurídico, ou seja,  meios que não são imorais e que a lei permite podem ser utilizados como prova. No caso do meme, a melhor forma de autorização seria por escrito.

No caso do comediante Lucas Cavalcanti, se alguém se utilizar do meme dele, ele pode entrar com ação contra o uso de imagem e uso de conteúdo? 

Se alguém usa o meme dele para fins comerciais, ele pode conseguir uma indenização em relação à propriedade intelectual, pois é criação dele. Por outro lado, se eu modifico o meme e isso vem a atentar contra a dignidade dele, cabe indenização por dano moral. E se ele conseguir demonstrar que com isso o ganho dele diminuiu e, profissionalmente, ele está sendo menos contratado, eventualmente pode até ser pensado uma indenização por dano material.  

Seria muito difícil a gente elencar todas as hipóteses para dizer onde tem problema ou não. O que se tem por agora são leis que já são antigas e que estão sendo melhoradas.  Em matéria de responsabilidade civil, a coisa pode dar uma guinada de hora para outra. E eu acredito que em responsabilidade civil a gente sempre tem uma condição de ter consciência se aquele ato que eu pratiquei está ofendendo ou não alguém. Geralmente se seguirmos o juízo do homem médio, eu acho que nós não teremos problemas legais, porque isso tudo vai ser interpretado desta forma pelo juiz. 

VÍDEO | FIGURINHAS: OS MEMES DO WHATSAPP

Ficha Técnica

Repórteres: Ariane Balbino, Beatriz Monteiro e Milena Bispo – Infográficos: Ariane Balbino, Beatriz Monteiro e Milena BispoFotografia: Ariane Balbino, Beatriz Monteiro e Milena Bispo Áudio: Ariane Balbino, Beatriz Monteiro e Milena BispoCinegrafia: Ariane Balbino, Beatriz Monteiro e Milena BispoEdição de textos: Ariane Balbino, Beatriz Monteiro e Milena BispoEdição de vídeo: Beatriz Monteiro – Edição de imagens: Ariane Balbino, Beatriz Monteiro e Milena BispoLayout da reportagem: Ariane Balbino, Beatriz Monteiro e Milena BispoEdição final e supervisão: Fabiana Aline Alves