ME MOSTRE O QUE TU VESTES QUE EU LHE DIGO QUEM TU ÉS

A forma de se vestir é uma das muitas maneiras que o ser possui de se expressar e mostrar sua verdadeira essência

Por: Andress Mattos, Camila Rocha, Helissa Marangoni, Daniela Ferreti e Stéfanie Teixeira

Existem características que fazem cada individuo único. A impressão digital, o DNA (Ácido Desoxirribonucleico) e até mesmo o formato de nossas orelhas. Com exceção dos gêmeos, cada pessoa tem um rosto que também lhe garante certa particularidade. Segundo a psicologia, personalidade diz respeito a um conjunto de singularidades em constante mudança, que faz cada um ser de um jeito. “A personalidade se forma num sistema de vivências culturais que é realizado através de conhecimentos obtidos ao longo dos anos e cada indivíduo possui a sua”, pontua Vinicius dos Santos oliveira, 26, psicólogo.

“Apesar da maioria das pessoas acreditarem que moda e estilo são a mesma coisa, muitos aspectos diferem esses dois termos. Moda é tendência, ou seja, é passageira. Estilo é mais do que o tipo de roupa que o indivíduo usa, mas também, e principalmente, reflete seu estilo de vida, modo de agir, suas referências, seus desejos, sua personalidade mesmo” explica Erika Foglia, 30, pós-graduada em Moda pela UEL.

Desta maneira fica evidente que não só atributos físicos garantem exclusividade ao ser, como também a personalidade lhe atribui um estilo, que só a ele pertence. Segundo o historiador Thiago Granja Belieiro, 35, estilo é uma forma de expressão ou de manifestações das preferências culturais, “o estilo de uma pessoa reflete sua posição social, suas preferências musicais, religiosas, sua inserção num determinado grupo, skatistas, surfistas, roqueiros, etc…”, completa o especialista.

A exemplo, Thayane Mendes de Oliveira, 23, graduanda em Nutrição, diz que busca expressar o que está sentindo através de suas roupas e de peças que lhe sejam confortáveis. Conta também que até o dia de hoje, já passou por uma variedade de mudança de estilos, “de gótica suave para empoderada africana, baseada em alguns looks do estilo afropunk”. Adepta a cultura afro, a estudante diz que as estampas étnicas únicas desta sociedade são algo que a inspira. “Toda vez que uso, parece até que fico mais feliz”.

Mas se ser diferente é algo bom, alguns membros da sociedade discordam. O medo do desconhecido faz com que pessoas que buscam ser um ponto colorido em meio a tela branca da comunidade sofram repressão daqueles que são apegados a tradicionalidade. Thayane relata que já sofreu preconceito dentro da própria casa e no trabalho devido ao modo de se vestir. “Minha mãe sempre odiou o fato de eu não gostar de salto, ou cortar todas as minhas camisetas para ficarem caídas. No meu trabalho, que é em uma delegacia, muitas vezes vejo olhares que me julgam, não só pela forma que me visto, como até mesmo meu cabelo”, conta a estudante, que utiliza “dreads” no cabelo, que são tranças feitas de lã, outra característica de sua personalidade que se fundamenta na cultura afro.

A professora de história da rede pública de ensino Rosana Barrera, diz que as pessoas, como no caso de Thayane, também a olham de forma curiosa, e que isso é positivo, já que no seu caso, ela é tida até mesmo como fonte de referência pelos estudantes. “Nunca passei por nenhuma situação de discriminação por parte dos alunos nem dos pais. O fato de ser professora de escola pública me traz a responsabilidade de mostrar ao meu aluno que ser diferente é normal, que eles devem ser tolerantes e que eu sou uma pessoa tão complexa como todas as outras”, relata.

Rosana adota o estilo rockabilly e gótica, e tem como referência uma modelo fetichista da década de 50, chamada Bettie Page. Ela conta que a maioria de suas roupas vêm de brechós que ela encontra pela própria cidade de Presidente Prudente, bem como em grupos ou lojas online.

A professora diz que não foi fácil encontrar um estilo que representasse sua personalidade. “Sempre fui uma criança diferente”, diz ela, que na adolescência, com a descoberta do rock, se identificou totalmente com as letras de músicas e roupas das bandas. Todavia, com a entrada na vida adulta, Rosana viu a necessidade de se enquadrar em códigos impostos pela sociedade, adotando assim um visual totalmente amenizado. “Porém, hoje, com a chegada da idade, uma profissão determinada, posso dizer que sou a melhor versão que imaginei aos 12 anos de idade e isso me deixa muito feliz porque na realidade é o que eu sempre fui”, explica ela, que diz ter entrado em sintonia com a criança que um dia foi, se sentindo assim, completa.

“Ser alternativa é um ato político, de resistência, e eu quero que meus alunos vejam em mim uma referência que lhes diga que, sim, eles podem ser quem eles quiserem, independente da idade, gênero, preferências políticas, orientação sexual, classe social, etnia, religião, enfim, eu não teria essa oportunidade em outra profissão”.


Por ser uma professora de história, possivelmente era esperado da mulher acima que se vestisse de forma mais “casual”, com roupas abaixo do joelho, em tons de cinza, ocre e marrom. “O estilo pode ser manifestação dos hábitos, na concepção sociológica de Pierre Bourdieum, um intelectual que possua certo comportamento irá manifestar sua condição na forma em que ele se veste, o mesmo acontecendo com atletas ou músicos. Por esse motivo, muitas vezes conseguimos identificar a profissão e outras características dos indivíduos apenas analisando a forma com que se vestem”, explica o historiador Belieiro.

Contudo, nem tudo o que parece, é. Bebês são sinônimos de mudança, de início, de nascimento e por fim, de coisas novas. Mas Valter Luiz  Mezaki, 20, estudante de direito, foi uma novidade, um bebê com “alma antiga”, como o próprio se define. Aqui no século 21, Valter Luiz gosta  de usar paletó em dias alternados da semana, mesmo sem ser “pastor” ou um membro do jurídico. Ele diz que a sociedade gosta de criar  estereótipos e de generalizar o que na verdade, é único.

Sobre como descobriu seu estilo, ele fala: “Não diria uma  descoberta, mas foi algo que nasceu comigo, simplesmente sou o que sou e sigo meus próprios sentimentos”. Ele entende que a maneira como se veste representa sua personalidade, forte e antiga, mas que visual pode ser intrigante para os demais, porém para ele, acaba sendo normal.

O estudante deixa claro que não poderia ser ninguém além dele mesmo, desta maneira, sua forma de se vestir é um dos modos de revelar seu estado de espírito. “Usar paletó me faz sentir mais erudito, assim como a música barroca me fascina; tenho um relógio de bolso e estes atributos me fazem ser quem eu sou”, finaliza. 

Ainda sobre ser você mesmo… “O tempo todo me bombardeiam de olhares e risos de deboche, muitas vezes gritam coisas enquanto passo”, relata Italo Costacurta Rodrigues, 23, formada em fotografia e estudante de geografia.

Ao nascer, Italo recebeu mais que um nome, e ganhou junto com o primeiro suspiro, um gênero. Esta foi definida pelo médico que realizou seu parto, como uma menino. Mas as coisas mudaram de lá para cá e hoje, ela se entende como algo mais complexo, não poderia ser tão simples, não poderia ser uma mulher, muito menos um homem. Percebeu depois de muito sofrer, que não era nem um, nem outro, mas a ponte que permeia entre os dois, uma pessoa não binária.

Devido a sua personalidade forte e por ser uma pessoa não binária, ela não poderia se expressar de outra maneira, senão, da forma como o faz. Com 1,83m de altura, barba por fazer, cabelo nos ombros, camisa meia estação preta e saia que contrasta bem com seus olhos castanhos, ela atrai olhares. “Algumas pessoas elogiam como eu me visto, normalmente mulheres, os boys (homens) ficam em choque”, conta ela, que chegou até a ser agredido em local público.

PODCAST – ITALO CONTA MOMENTO DE AGRESSÃO SOFRIDA E COM TEM ENFRENTADO O PRECONCEITO

A partir de uma moradia pequena na capital São Paulo, é que ela diz ter adquirido referência suficiente para definir a maneira que se vestiria. Nascida em uma cidade pequena, ela não havia vivenciado o universo das pessoas trans (pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascimento), mas foi na metrópole paulista que pode se conhecer melhor, “as roupas que uso são mais uma questão de identidade de gênero e não moda”, afirma.

Claro que as vestimentas de Italo causam reações das mais adversas possíveis na sociedade, “as pessoas ficam em pavor ao ver uma pessoa de barba e cheia de pelos vestindo roupas ditas ‘femininas'”. Ela conta que muitas vezes tem preguiça de sair de casa, pois quer ser apenas quem é, mas é sempre uma luta “me marginalizam de um jeito, que parece que estou fazendo algo errado.

Hoje, ela vê suas vestes como um ato político. “Me visto assim  por identidade, pelo conforto, como uma afirmação, pelo enfrentamento”. E ainda reforça que apesar de as pessoas estarem se empoderando e assumindo quem realmente são, ainda há aqueles que são normativos ao extremo, “tem medo de passar um batom verde, medo de sair de paetê à tarde”. Ela diz ainda que não tem uma relação afetiva porque não conseguem sustentar quem é, e até mesmo no meio social ao qual pertence, é vista como “algo agressivo, eles têm medo e preconceito”.  Porém, Italo entende que que o processo de criar coragem para florescer seja demorado e difícil, mas espera que “isso se multiplique e que cada vez mais as pessoas não aceitem o que é colocado como regra normativa”.