SE ESSA RUA FOSSE MINHA...

Segundo o artista plástico Aparecido Oliveira, a grafitagem é uma arte mais elaborada, que parte de um projeto estruturado. Ao contrário disso, o ato de pichar é considerado como algo mais banal, apenas para chamar atenção.

Por: Amanda Brito, Daniel Lucena, Michele Santos, Stephanee Melo e Thaís Luz

Um espaço tão cheio e tão vazio ao mesmo tempo. Vazio de vida, de cores, valores, pensamentos, ideias: a cidade. Então, aparece um novo olhar. Olhar de quem busca expressar a realidade no material que tem a frente. O muro transforma-se em tela, ganha ritmo e formatos, refletindo os problemas e anseios que compõem a sociedade. De um rabisco surgem figuras. Das figuras surge a arte. Arte que nasce na rua, é feita na rua e apreciada na rua.

O termo grafite vem da palavra de origem italiana “graffito”, que significa “escrita feita com carvão”. As inscrições são conhecidas desde a Roma Antiga, quando jovens utilizavam o mineral para manifestar o descontentamento dos cidadãos nos muros de monumentos públicos.

Apesar de ter fincado raízes em terras europeias, a ideia ganhou força durante os anos 70 nos Estados Unidos, em Nova Iorque. Por meio de um grupo de estudantes, o movimento se popularizou e exteriorizou os dramas vivenciados pela periferia dos EUA nas paredes dos guetos ao som do Hip Hop.

No Brasil, a manifestação aparece no final da mesma década, na cidade de São Paulo. Nessa época, o país vivia um contexto conturbado, marcado pela censura imposta com a chegada dos militares ao poder. Dessa forma, o grafite surgiu como uma arte transgressora para dar voz a uma geração oprimida, que gritava nas paredes da metrópole os incômodos da população.

Inicialmente, caracterizava-se pela autoria anônima, em que o artista deixava suas marcas em muros e painéis como forma de protesto. Foi a partir daí que a arte se transformou em um importante canal de expressão social, na tentativa de representar a realidade nas ruas.

Desde então, a atividade tem conquistado reconhecimento artístico, embora o preconceito com os grafiteiros ainda exista. Muitas vezes tida como poluição visual e ato de vandalismo, ela é confundida com a pichação.

Por apresentarem contexto social semelhante, a diferença entre os dois estilos não parece ser tão clara para muitas pessoas. Ambos buscam intervir na paisagem urbana a partir de inscrições feitas com tinta látex ou spray, em muros e paredes. Também abordam temas como denúncia, crítica, liberdade e contestação, na tentativa de promover a reflexão do observador. Mas, enquanto o grafite recorre às ilustrações, a pichação encontra nos símbolos uma linguagem própria para se expressar. Além disso, no primeiro estilo as técnicas geralmente são mais apuradas e possuem efeitos que o segundo não apresenta.

Segundo o artista plástico Aparecido Oliveira, a grafitagem consiste em um trabalho que combina figuras, cores, sombras e formas, que são previamente pensadas e desenhadas. “É uma arte mais elaborada, que parte de um projeto estruturado. Ao contrário disso, o ato de pichar é considerado como algo mais banal, apenas para chamar atenção, sem nenhum tipo de planejamento”.

A pichação é conhecida por meio da inscrição de letras, símbolos e frases, muitas vezes atreladas à intenção de “marcar o território”. Assim, não leva em consideração a estética daquilo que é representado, podendo ser encontrada em fachadas de lojas, muros de casas, edifícios, construções e vias públicas, todas sem autorização dos proprietários, por isso, sim, é considerado vandalismo.

De acordo com a assessoria de imprensa da Prefeitura de Presidente Prudente, anualmente são gastos em média R$ 1 milhão para limpar os lugares que são alvos dos atos de vandalismo no município. “O Parque do Povo é um exemplo. Quando uma obra é inaugurada no local, a depredação do espaço por meio de pichações ocorre em poucos dias”, afirma o Secretário Municipal de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Habitação, Laércio Batista de Alcântara.

Para evitar os prejuízos, desde 2009 a prefeitura em parceria com a Polícia Militar realiza um trabalho de fiscalização dos pontos mais sujeitos a esse tipo de intervenção. “Pode-se dizer que houve uma redução de 60 desses atos na cidade, mas ainda há aqueles que mesmo com os guardas não respeitam os monumentos públicos”, afirma Alcântara.

Apesar de ser visto como algo proibido, não existe leis municipais para esse tipo de comportamento de acordo com o secretário. “Em regra geral, quando conseguimos detectar o ato, a procuradoria jurídica representa no Ministério Público e ele toma as providências. Se o indivíduo for menor de idade, há a convocação dos pais, que são submetidos a pagar a reforma do local ou distribuir determinada quantidade de cestas básicas”.

O secretário ainda explica que ao contrário da pichação, o grafite é um trabalho bem aceito na cidade. Para aqueles que se interessam pela intervenção artística, é preciso solicitar autorização na Secretaria Municipal de Cultura, onde vai receber as orientações necessárias. Além disso, há o acompanhamento do órgão durante a realização das pinturas nos locais autorizados.

Arte como profissão

Em Prudente, alguns desses trabalhos de grafitagem permitidos encontram-se em painéis situados em pontos turísticos da cidade e até mesmo em escolas da rede pública de ensino.

O professor, Itamar Xavier de Camargo, por exemplo, é um dos profissionais que incentiva a prática desse movimento. Por meio de oficinas de grafite, ele destaca a importância do trabalho na formação intelectual e social de crianças e adolescentes do Ensino Fundamental. “Eu vejo a arte como um texto em que o leitor precisa encontrar um significado. Durante as aulas, permito com que os alunos tenham contato desde cedo com esse universo, pois é a partir daí que eles passam a gostar de cultura e a interpretar a sua realidade”.

Ele ainda conta que há sete anos atua no mercado artístico e que hoje tem essa área como profissão. “A arte em si traz muito retorno, mas é preciso se aperfeiçoar. Não dá para viver apenas do grafite, mas dá para conciliar e abrir um leque de alternativas e trabalhar em vários locais, só resta ao artista aproveitar”.

Assim como Itamar, o educador Joaquim Pereira Elias Junior, o Joka, também encontrou no grafite a oportunidade de ganhar a vida com os desenhos e pinturas que realiza. “Posso ensinar e dividir experiências. Adoro passar conhecimento e ver a arte sendo divulgada”.

Porém, ele diz que ainda falta apoio aos artistas que trabalham nesse meio. “Convivemos com as dificuldades de investimentos. É tudo caro, uma lata de spray custa em torno de R$20. Geralmente, em uma intervenção é necessário uma variedade de cores e isso fica caro quando não se tem recursos”.

O grafiteiro José Luis Campos de Agostini, conhecido como Zeca, é mais um dos artistas que reconhece a falta de estabilidade nesse mercado. Mas, apesar da demanda por trabalhos ser baixa, ele conta que a expansão do cenário digital tem sido uma aposta de quem sobrevive dessa atividade. “Com o avanço da internet o grafite cresceu muito. Assim, houve um aumento de divulgação das obras e as pessoas passaram a se interessar e aprender mais sobre ela”.

Aprender mais sobre a arte que busca incomodar, questionar, responder, reagir, protestar. Arte que tem o poder de abrir os olhos. Os olhos de quem passa pela rua. Rua que não é de ninguém. Mas, e se fosse?

“Se essa rua fosse minha eu sairia pintando e colorindo. Dessa forma, as pessoas veriam o local de um jeito diferente e mais bonito”. (Itamar Xavier)

“Se essa rua fosse minha eu daria uma parte para cada pessoa, pois nela há muita curiosidade. Eu poderia até pegar, mas prefiro dividir, pois assim todos vivenciam”. (Joaquim Pereira Elias Junior)

“Se a rua fosse minha eu não pintaria tudo, pois acho exagero, mas pintaria o necessário para colorir e deixar o local mais bonito. Procuraria mais lugares abandonados.” (José Luis Campos de Agostini).

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Você conhece a gírias mais utilizadas pelos grafiteiros?

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