SEM UM TETO PRÓPRIO, MORADORES DAS RUAS OU DE CASAS DE APOIO MOSTRAM COMO CHEGARAM A ESTA REALIDADE

Se sentir abandonado, triste, passar fome, frio e até mesmo ser humilhado, já virou rotina para pessoas que vivem à margem da sociedade. Nesta reportagem, conheça personagens do mundo real que mostram as dificuldades e superações em diferentes contextos.

Por: Claudionor Paschoalotto, Estevao Salomão, Gabriel Mota, Gabriel Tibaldo, Gabriela Leal e Roberto Kawasaki

Passos lentos, olhares a um horizonte que parece não ter fim, histórias contadas por palavras que há muito tempo tornou-se sua mais sincera companhia. Diversos foram os Ricardos, Alexandres, Antônios e Pedros que, ao passarem pelo Serviço de Acolhimento de Pessoas em Situação de Rua (Casa de Passagem) de Presidente Prudente, fizeram verdade a frase do revolucionário Mahatma Gandhi: “A prisão não são as grades, e a liberdade não é rua”.

O silêncio que outrora não existia, atualmente é o abrigo daqueles que na via pública  passaram grande parte de sua vida. Esta é a característica do prédio localizado na Rua Napoleão Ribeiro Homem, 431, no Jardim Marupiara, que oferece suporte social para uma média de 40 pessoas diariamente, divididas entre homens, mulheres e famílias, separados respectivamente por ambientes.

Solitários, diante de sua própria solidão, os acolhidos colecionam diferentes histórias de vida, que vão desde o mundo das drogas até o abandono familiar. Pessoas que, conforme a coordenadora do local, Edna Tomiazzi, são atendidas psicossocialmente por meio de 23 profissionais, os quais desenvolvem atividades ligadas à reabilitação social, trabalhos educacionais, de saúde e de higiene. “Oferecemos todo amparo, mas infelizmente grande parte retorna para cá após a reinserção social”, relata Edna. O motivo? O vício em drogas.

Chinelo da marca havaianas, shorts até o joelho, cabelo e barba por fazer, camisetas com as mais diferentes estampas. Inclusos nas mesmas realidades, os homens que compartilham do mesmo estilo, recebem, inclusive, almoço, jantar, café da manhã e da tarde, roupa lavada por eles próprios e segurança. Rotina que, conforme a coordenadora, pode durar até seis meses. “A partir dai eles voltam para a sociedade”, explica.

A luz do dia, que ainda clareava por entre as janelas dos sete quartos da ala masculina, destacava a organização dos dormitórios. Um canto já ocupado por muitos sonhos, desde a fundação do serviço, há 62 anos. As frases escritas na parede são semelhantes às rabiscadas nos papeis organizados na mesa de centro, as quais descrevem passagens da bíblia.

Detalhes ocupados por muitos, inclusive por Antônio Benedito de Oliveira, 45 anos, que nascido em Cáceres (MT) “decidiu” sair de casa aos 20 anos e foi morar no Rio de Janeiro, logo depois em Prudente. Com seu olhar desconfiado e sua voz baixa, ele conta que veio em busca de trabalho, entretanto, se deparou com alcoolismo, o que além de desemparo, trouxe também dificuldades motoras. Após um ano e meio na rua, atualmente Antônio é morador do centro, e garante que faz três anos que não se envolve com bebidas alcoólicas. “Saí de casa para conhecer o mundo e não me arrependo”. Quanto o contato com a família, este já não existe mais, pois “eles não sabem onde estou e também não do paradeiro deles”.

Numa sala de aproximadamente 20 metros quadrados, a televisão, sintonizada num canal qualquer era a principal atenção de pelo menos dez moradores que ali estavam. Entre eles, num canto sentado, de camiseta verde, calça moletom cinza e chinelos preto, era possível ver mais uma história, que na realidade mais parecia de terror. Alexandre da Silva, que aparenta cerca de 30 anos, é o único que sobrou de quatro irmãos, pois, um foi assassinado na cadeia e os outros dois foram também foram mortos, mas fora dela.

Alcoólatra e dependente químico, ele saiu de casa na Vila Operária em Prudente há quatro anos após a morte do pai. “Aquele lugar [casa] era briga toda hora, não aguentava mais. Nunca mais quero voltar àquela situação”, relata.

Tímido, de cabeça baixa e com a voz falha, Alexandre conta que está na casa de passagem, pela segunda vez, em um mês, pois, quando saiu da primeira vez do acolhimento retornou às ruas. “Eu ficava na rodoviária, pelo fato de beber muito, comecei a vomitar sangue”, relembra. Ainda conforme ele, “aqui [casa de passagem] eu me sinto bem e converso com todo mundo, pretendo ficar até quando der”, comenta.

Próximo às dependências do prédio, que inclui dormitório, cozinha, lavanderia, horta e espaço de descanso, Adenilson Arvelim de Lima, de 52 anos, conta de maneira cabisbaixa e passando as mãos no rosto, que nasceu em Pirapozinho (SP) e tinha uma família de nove pessoas, sendo que seus pais faleceram há 20 anos e cinco dos sete irmãos também “se foram”. Carregado pela emoção, com os olhos cheios de lágrimas, Adenilson explica que seu vício foi maior que sua própria reação, o que fez sair de casa e deixar para trás a esposa e três filhos. “Na rua eu nunca mexi com ninguém, porque ali era um local onde eu me sentia bem”, relata.

Esquecido pelo passado que ainda rege seu futuro, agora “livre dos vícios”, Adenilson tem o sonho de conseguir um emprego, casar novamente e construir uma nova família. “Arrependo-me de tudo”, afirma.

SAIBA MAIS

Conforme a coordenadora Edna, atualmente a unidade possui 58 vagas para atendes os respectivos gêneros, mas no momento, 38 estão ocupadas. Sobre os suportes financeiros, ela esclarece que estes são disponibilizados pelos governos Federal e Estadual.

Existe, atualmente, uma única maneira de inserção na casa, uma através do Creas- POP (Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua), onde é realizada uma triagem, e a partir daí é direcionado. O Creas fica na Rua Barão do Rio Branco, 975, com horário de atendimento de segunda a sexta das 08h às 17h. Para mais informações, basta ligar no número (18) 3902-4400.