UMA CICATRIZ PARA A VIDA

“O que move as pessoas é a liberdade de poder escolher a cicatriz que quer para sempre em seu corpo”, diz a psicóloga Thais Blumle.

Por: Aline Fernandes, Amanda Monteiro, André Esteves, Hellen Lopes e Itamar Batista

“O que move as pessoas é a liberdade de poder escolher a cicatriz que quer para sempre em seu corpo”. São com essas palavras que a psicóloga Thais Blumle define o desejo em marcar na pele um desenho que acompanhará o indivíduo para o resto de sua vida.

Apesar de estar associada aos jovens dos séculos XX e XXI, a tatuagem não é uma arte que surgiu no mundo moderno. Ela existe há mais de 3,5 mil anos e, desde a sua criação, servia para representar a personalidade das pessoas. A princípio, a marca era uma forma de identificar grupos ou simbolizar fatos importantes da vida, como o nascimento, o desenvolvimento e a morte, segundo….

De acordo com Thais, a tatuagem é ainda hoje uma forma de expressar sentimentos, ideais, pensamentos e estilos de vida. “É a expressão daquilo que se é, daquilo que quer ser. Como identificação de grupo e ideologia, a tatuagem proporciona, de certo modo, conforto no intuito de que aquela pessoa pertence a algum lugar”, expõe.

Em contrapartida, a psicóloga explica que há as tatuagens comerciais, que não possuem significado e entraram em voga pelo desejo do indivíduo em estar dentro da moda. “É como se fosse uma maquiagem, um corte de cabelo, apenas com fundo estético”, aponta.

Thais enfatiza que a autoestima é um fator que influencia a decisão, visto que muitas pessoas fazem a tatuagem com o objetivo de se autoafirmarem; se sentirem pertencentes a algum grupo; para cobrirem alguma cicatriz do seu corpo da qual não gostam; ou apenas pelo simples fato de se identificarem com o desenho ou ideia, tendo aquilo eternizado em si.

Segundo a profissional, a tatuagem não interfere na personalidade e nem transforma o sujeito, pelo contrário, é por meio da personalidade que se escolhe o desenho ou ideia.

“A tatuagem representa aquele que a tem tatuada em seu corpo, logo a pessoa precisa se identificar com o desenho ou ideia. O que influencia essa escolha é justamente quem a pessoa é, o que ela viveu, suas experiências, enfim, sua própria personalidade”, realça.

“Uma pessoa super amorosa e carinhosa que tatua uma espada ou faca não vai se tornar agressiva, até porque o objeto tem um significado universal. Contudo, para quem tatua, tem um significado único que corresponde com a experiência de vida e personalidade daquele ser”, exemplifica.

Mercado de trabalho

Conforme Thais, a interferência da tatuagem na busca por um emprego depende do local em que a pessoa está buscando o serviço. “Se for uma empresa mais formal, o ideal é que não se tenha uma tatuagem que seja preferencialmente escondida pela roupa ou uniforme. Já se for um ambiente descolado, o local da tatuagem pouco importa”, afirma.

Segundo ela, esse tipo de arte ainda é visto com maus olhos pela sociedade e desperta muito preconceito. “Às vezes, o melhor é esperar uma estabilidade no serviço. Por exemplo, é fácil aceitar um cantor de rock com muitas tatuagens, porém, um advogado já pode sofrer preconceito”, salienta.

A profissional pontua que a questão gira em torno da cultura popular e que o estereótipo de que “tatuagem é coisa de bandido” precisa ser modificado, pois a arte não dita o caráter da pessoa.

Sem tabus

“Penso que as tatuagens têm que ter história”. É o que conta a jornalista Ticiane Oliveira sobre as suas cinco tatuagens. Ela também diz que em todas as vezes que decidiu pintar o corpo, fez pensando em algum momento importante da vida.

Com relação à sua profissão, Ticiane declara que nunca foi vítima de discriminação. “Apesar de trabalhar frente às câmeras, nunca senti nenhum tipo de preconceito. Foi tudo sempre muito natural”, revela.

A jornalista destaca que não acredita em superstições, ao contrário de grande parte da comunidade de tatuados no Brasil, que evita ficar com número par de tatuagens por “dar azar”. Ticiane acrescenta que passou dez anos com quatro tatuagens e fez a quinta junto com uma grande amiga, que tatuou o mesmo desenho.

Para a profissional, o bom-senso é importante quando se trata de pintar o corpo. “A tatuagem pode ser vista como uma arte, mas é preciso ter muita responsabilidade. É algo para sempre. O nosso corpo ficará marcado pelo resto da vida e isso precisa ser prazeroso, não pode nos envergonhar”, avalia.

A arte de tatuar

O tatuador Danilo Matsubara é formado em Publicidade, mas trocou a criação de peças publicitárias pela máquina de fazer tatuagem. “Desenhar sempre foi uma paixão na minha infância e adolescência. Quando criança, eu dizia que seria desenhista e trabalharia para a Marvel, desenhando os quadrinhos do Homem-Aranha. Quando eu percebi, na vida adulta, que desenhar me dava muito mais prazer, decidi me arriscar em algo que eu não tinha certeza de como seria, mas que eu amava, do que viver em meio ao tédio e a insatisfação de uma falsa segurança financeira”, relata.

Em seu próprio corpo, a primeira tatuagem foi feita aos 18 anos, “como deve ser”, recomenda. “Tatuei uma cruz rodeada por rosas e uma flâmula com a frase ‘I’ll come back for you’, simbolizando a promessa da volta de Cristo”, conta.

Ele diz que, conforme foi fazendo as tatuagens, seus pais começaram a entender melhor e desconstruir o preconceito que tinham em relação a esse tipo de arte. Para ele, o Brasil ainda precisa evoluir muito a respeito de vários conceitos, mas que hoje em dia, os tatuados são melhores aceitos.

“Acredito que a mídia, ironicamente, teve um papel pequeno nisso. Atores e atletas estão se tatuando cada vez mais e a TV derrama isso na realidade de pessoas que antes tinham o conceito marginal da tatuagem”, pondera.

Embora continuasse a trabalhar com a Publicidade, a decisão de ser um tatuador foi tomada em 2006, quando passava seus horários de almoço em um estúdio, desenhando e conversando com o proprietário, que era o seu amigo e, mais tarde, propôs a ele um aprendizado.

“Diferente do que parece, um aprendizado tradicional não se resume a simplesmente pegar uma máquina na mão e sair tatuando. Envolve muito tempo – às vezes, anos – praticando no papel e cuidando da organização do estúdio antes de finalmente poder tatuar de fato”, exprime.

Pouco tempo depois, seu amigo faleceu e, por conta disso, Danilo se desprendeu da ideia e seguiu a vida como era antes. No entanto, em 2012, após uma crise de pensamentos sobre o assunto, ele voltou a desenhar dia e noite, sem parar.

“Em abril de 2014, eu tatuei minha primeira pele”, declara. “Tatuar se tornou a minha vida, quem eu sou, uma das únicas maneiras – a outra é a música – de exprimir aqueles sentimentos mais enraizados no meu coração e colocar para fora de uma forma que não conseguiria fazer em desabafo. Conseguir traduzir isso para o papel e, em seguida, marcar isso na pele de alguém para sempre é um sentimento muito satisfatório. Cada pessoa que eu tatuo leva um pedaço do meu coração consigo”, sublinha.

PODCAST

Ouça o relato da professora de Artes, Simone Moreira, que já passou pela tatuagem terapêutica.

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