Viajar sem sair do lugar: a importância da literatura na construção de um mundo melhor

Trabalhando na biblioteca há 14 anos, Nilcea se empenha em motivar o interesse pela leitura

Por: Amanda Antunes, Giovana Farias, Karen Dantas, Nadia Ribeiro e Thauana Pulido

As paredes de tijolos aparentes do Centro Cultural Matarazzo abrigam várias formas de expressões artísticas, exposições e também a Secretaria da Cultura nas várias salas que o compõem, mas dentre todos os ambientes, o mais importante para Nilcea é a biblioteca. Não apenas por ser o seu local de trabalho e fonte de renda, mas pela importância que atribui à literatura.

Dos 66 anos da vida de Nilcea das Graças de Sousa Gomes, nascida em Conceição do Rio Verde, Minas Gerais, 14 deles foram dedicados à Biblioteca Municipal Infantil e ao incentivo à leitura, e mesmo depois de tanto tempo, a mineira ainda não tem a pretensão de sair. “Eu amo trabalhar aqui, falta um ano e meio para me aposentar e eu vou ficar por aqui mesmo”.

Nilcea acredita no poder da leitura, na capacidade de ampliar o vocabulário, na melhora da escrita, no desenvolvimento intelectual e na possibilidade de “fazer uma viagem sem sair do lugar”. É com tais argumentos que ela persuadia as crianças que chegavam sem interesse nos diversos livros que descansam sobre as prateleiras vermelhas de metal. Com essas crenças em mente, ela deu seguimento a projetos como o Dia D Infantil, que consiste na recepção de crianças das escolas municipais e particulares da cidade, mostrando o espaço do Centro Cultural, apresentando as atividades realizadas, levando às exposições e também proporcionando a chamada “contação de histórias”.

A “contação de histórias” é o momento em que ela se reúne com as crianças e lê livros com direito a vozes de personagens e encenação. Depois, os visitantes têm liberdade para explorar as prateleiras e ler o que escolherem. Com livros para todos os gostos, a mineira elege dois como os mais procurados, sendo eles Diário de Um Banana e Diário da Garota Mais Popular. “Mas tem alguns que gostam de ler suspense, tem quem goste de ler terror”, o importante para ela é trabalhar para que sempre tenham os livros que a criançada quer ler. “Às vezes chega alguém aqui e quer um livro que infelizmente não tem, mas eu anoto o nome do livro e a editora, aí depois a gente faz o pedido e tem dado resultado”.

Mas este não é seu único projeto, ela também faz parte do Dia D Especial que acontece na pediatria da Santa Casa de Misericórdia. Em todas as quartas-feiras, Nilcea e uma colega vão até lá com o intuito de incentivar as crianças, visando a recuperação de cada uma e, também, para lhes dar um pouco de distração para que esqueçam, por alguns momentos, a fase difícil que estão enfrentando em suas vidas.

A dinâmica na Santa Casa é diferente da estabelecida na biblioteca. Não há contação de histórias, por exemplo, em vez disso, Nilcea e sua colega levam fantoches como as personagens da Turma da Mônica, entre elas, o Chico Bento e a Rosinha e fazem brincadeiras. Para ela, a reação das crianças é como um presente. “É muito gostoso a gente perceber quando a criança estava meio tristinha e ela sorri, quer levantar da cama, quer pegar o fantoche e brincar”. Ela ainda acrescenta que este é um trabalho para quem gosta muito de crianças, pois cada uma tem a sua particularidade.

Mãe de quatro filhos, Nilcea os incentivou a ler desde a infância, assim como faz com os frequentadores da biblioteca. Ela acredita que a garantia do futuro das crianças está no estudo, pois ele é algo que ninguém tira, é como um tesouro, e ao estudo ela também confia a possibilidade de um mundo melhor. “Eu falo para todas as crianças ‘estudem mesmo, dê tudo de si para conseguir algo melhor’, para mudar não só a vida delas, mas mudar a sociedade, o lugar onde elas vivem”.

Apesar do prazer que sente, trabalhar na biblioteca não era o sonho de Nilcea. Ela almejava ser professora de História, área que considera interessantíssima. Movida pela curiosidade, como “saber o que aconteceu no passado, o porquê que hoje é assim e antigamente era diferente, fazendo essa relação e querendo descobrir”, Nilcea alcançou o objetivo de se formar. No entanto, não chegou a lecionar na área. Em vez disso, prestou concurso para ser professora infantil, na pré-escola, e lá trabalhou por oito anos. Foi então que uma deficiência na audição a fez ser remanejada para a biblioteca.

No início, Nilcea foi indicada para participar de um projeto que estava sendo introduzido e era justamente o Dia D Infantil. Quando chegou ao fim, ela continuou na biblioteca para fazer parte do Tira Dúvidas, iniciativa que reunia professores de diversas áreas do conhecimento que ajudavam os alunos com dificuldades escolares. Graças a sua desenvoltura, foi convidada a permanecer na biblioteca mesmo ao fim de ambos os projetos e então encontrou uma forma de seguir contribuindo com o desenvolvimento das crianças mesmo longe da sala de aula. Mais tarde Nilcea conseguiu voltar com o Dia D Infantil.

A paixão pela literatura vem desde a própria infância. Sem televisão, computador, celular e outros aparelhos eletrônicos que, hoje, distraem as crianças, Nilcea passava bastante tempo na companhia de livros. Fã de romance, elege Iracema, de José de Alencar, como um livro que ficou marcado na memória “pela beleza com que ele retrata aquela virgem e as palavras que ele usa”. Além de Alencar, Rachel de Queiroz também é lembrada por ela, ambos cearenses.

Romântico seria, inclusive, o livro que Nilcea escreveria se tivesse a oportunidade. Seria sobre “um lugar onde tudo desse certo. Em que a sociedade se unisse para que acontecesse alguma coisa boa”. Seu foco seria principalmente as crianças mais desamparadas, que precisam de ajuda, de escola, de alimento e de atendimento médico. “Às vezes as pessoas falam que é utopia, mas eu acho que sonhar é muito bom. Então, quem sabe a gente possa ter esse mundo onde todos tenham os mesmos direitos”, encerra.