VOCÊ ERA FELIZ E SABIA

Vida simples, com brinquedos e programas de TV memoráveis. Relembre sua infância e descubra porque você tem tantas saudades dos anos 1990.

Por: Natália Maiolini

Os anos 1990 foram marcados por uma série de acontecimentos na política e economia do Brasil. Entre ele, o impeachment do primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura militar, logo no começo da década, e o Plano Real, que veio após um forte período de instabilidade econômica para acalmar a população. Mas é claro que nenhum desses e tantos outros fatos tiveram importância para você que ainda era criança na última década do segundo milênio.

O que realmente marcou a infância de tanta gente nesse período foi uma série de programas televisivos, brinquedos e guloseimas que já não existem nos dias atuais. (Na verdade, alguns até sobreviveram, mas não é a mesma coisa). Era uma época bem colocada entre os coloridos e memoráveis anos 80 e os anos 2000, que vinham cheio de grandes expectativas e a promessa de uma inovação tecnológica sem limites, que realmente é o que temos visto nos últimos tempos. Ficou com saudades? Então embarque nesta viagem com a Prisma e relembre um pouquinho do que foram os anos 90.

BRINCAR, BRINCAR E BRINCAR

Se você foi criança durante os anos 90, é provável que tenha tido a oportunidade de brincar na rua com seus amigos. Brincadeiras simples como soltar pipa, jogar pião, esconde-esconde, queimada e bets (tacos) eram comuns e certamente ocupavam boa parte do tempo livre da garotada. Quando chegavam as férias e os primos se juntavam na casa da avó então, era uma festa só. Dia e noite brincando sem medo da violência por parte dos pais e muito menos das crianças, que tinham a inocência consigo.

Danilo Calçado, 25, conta que brincou muito na rua e que para ele essas coisas simples são o que mais faz falta hoje em dia. “Quando a gente passar para os nossos filhos que brincava na rua, às vezes eles não vão nem acreditar por causa da violência, mas antes a gente não pensava muito nisso. É claro que tinha, mas a gente não via, então não ficava com isso na cabeça.”

Além das brincadeiras de rua, havia os brinquedos que todo mundo queriam ganhar a cada aniversário, dia das crianças ou Natal. Autorama, Pogobol, Aquaplay, Lego e Genius eram alguns deles, que já existiam desde as décadas anteriores, mas ainda faziam a cabeça da criançada. Jogos simples como memória, quebra-cabeças, pega varetas, pega peixe, ou de tabuleiro (para citar alguns), também eram uma ótima opção de presente. Sem esquecer as massinhas de modelar e geleias que devem ter enlouquecido muitos pais na época.

A imaginação era mais estimulada e cada um inventava sua própria história ou universo particular, como Jéssica Ambrósio, 22. “Minha brincadeira preferida era faz-de-conta. Eu e minha irmã criávamos um mundo de fantasia para nossos brinquedos.” Danilo também estava nesse meio de imaginação “Eu brincava bastante com aqueles Comandos em Ação, que eram uns bonequinhos de guerra que todo mundo tinha. Eu tinha mania de construir cidades e colocar os bonequinhos para brincar como se fosse uma guerra”, conta.

Jéssica diz que sua paixão pelos livros vem desde a época de criança. “Minha mãe trabalhava em uma biblioteca, então eu tive acesso a literatura infantil com facilidade. Nas férias, eu gostava de passar o dia todo lá, no meio das estantes. Logo que aprendi a ler, os livros se tornaram os meus brinquedos preferidos e eu até usava os enredos em outras brincadeiras.”

Brinquedos que vinham como brindes de alguns produtos ou faziam parte de promoções limitadas também marcaram muito a geração dos anos 90. O Kinder Ovo é um exemplo. Na época, tinha um preço bem mais em conta, o que ajudou as crianças a ter coleções enormes de personagens em miniatura, além de comer muito chocolate. Outro exemplo eram os brindes da Elma Chips, uma verdadeira sensação entre a garotada. Ou vai dizer que você não comeu muito salgadinho só por causa dos tazos que vinham neles?

Alguns desses brindes já eram mais difíceis de conseguir. Isso porque você precisava reunir algumas embalagens e às vezes até certa quantia em dinheiro para trocar pela promoção da vez. O interesse do público era tão grande, que muitas vezes a criança chegava no posto de troca e não conseguia seu brinquedo, pois o estoque já havia se esgotado. Algumas das promoções mais memoráveis foram da Coca-Cola, como os Geloucos, as mini garrafinhas ou os Craques da Copa. Outra que marcou época foi os Mamíferos da Parmalat, uma verdadeira sensação entre as crianças e até alguns adultos dos anos 90.

COMEÇO DA TECNOLOGIA

Ao mesmo tempo em que se divertiam com os brinquedos, começou a surgir entre as crianças o interesse pela tecnologia. Os videogames já eram mais comuns nas casas e os jogos vinham em cartuchos, que viviam sendo assoprados quando não queriam funcionar. De onde surgiu essa técnica ninguém sabe, mas bem que funcionava. Também era comum ir a locadoras em busca de novos jogos.

Assim como PlayStation e X-Box concorrem atualmente, havia nos anos 90 uma briga entre dois consoles de videogame pela liderança de vendas. Um deles era o Megadrive, ou Sega Genesis, que foi lançado no final de 1989 nos Estados Unidos e tinha jogos como Sonic The Hedgehog, o ouriço azul que até se tornou símbolo da marca. O outro era o Super Nintendo, lançado em 1990 no Japão, com clássicos como Super Mario World, The Legend Of Zelda e Donkey Kong. Ambos têm fãs que brigam até hoje na eterna discussão de qual foi o melhor. Em 1994, a primeira versão do PlayStation surgiu para entrar nessa disputa.

Os videogames portáteis também começaram a aparecer naquela época. O GameBoy, produzido pela Nintendo era caro e por isso nem todos tinham acesso. Mas havia uma opção mais em conta, que muita gente conheceu e jogou muito, o Minigame. Os jogos disponíveis, como o clássico Tetris eram bem simples e todos em pixels, mas nem por isso deixavam de ser difíceis. Havia uma infinidade de fases que ocupavam horas e horas das crianças.

Outra sensação tecnológica da época foi o bichinho virtual Rakuraku Dinokun, aquela bolinha pixelada que precisava de cuidados para crescer e se tornar um dinossauro. As crianças se tornavam verdadeiras babás do bichinho: davam comida, banho, carinho e até brincavam de jokenpô com a criaturinha. Muitas vezes os pais travavam uma batalha para acertar o relógio do dispositivo, para que ele não apitasse durante a madrugada e de vez em quando o brinquedo chegava a ser banido das salas de aulas pelos professores, que certamente não gostavam de dividir a atenção dos alunos com o dinossaurinho.

TELEVISÃO DA CRIANÇAS

Quando as crianças dos anos 90 não estavam brincando, era fácil saber onde estavam: na frente da televisão. A programação das emissoras televisivas era repleta de desenhos animados e programas que o público infantil adorava. Sem a possibilidade do download pela internet, as fitas VHS de filmes, principalmente da Disney também faziam um enorme sucesso e havia várias locadoras de vídeo pela cidade com uma clientela fiel, que gostava de pegar filmes principalmente aos sábados e devolver somente na segunda-feira.

Alguns dos programas matinais que ficaram marcados foram das apresentadoras Xuxa e Eliana, que tinham brincadeiras com crianças e exibição de desenhos ao longo dos blocos. Além da TV Colosso, exibida de 1993 a 1997, que simulava uma televisão real e tinha como personagem principal a sheepdog Priscila. Durante a noite, os maiores sucessos da época eram Disney Cruj e a novela infantil Chiquititas, exibidos em sequência, no SBT. O gosto por esses programas era tão grande, que as crianças queriam até fazer parte deles “Quem nunca quis ser paquita da Xuxa, quem nunca quis ser chiquitita? A gente assistia e era um sonho”, conta Marianna Garcia, 23.

Naquela época, uma emissora era referência de programação infantil, a TV Cultura, com programas como Glub Glub, Xis Tudo, Mundo da Lua e Castelo Rá-Tim-Bum. Este último, inclusive, completou 20 anos em 2014 e é exibido até hoje. Jéssica acha que o sucesso do programa ocorre porque apesar de ser direcionado ao público infantil, não tratava as crianças com inferioridade, como alguns outros. “Era engraçado, trazia informações novas, ensinava sem ser chato. E as crianças do Castelo eram pessoas normais, como eu, que iam à escola e brincavam de faz-de-conta. Isso tornava mais próximo da minha realidade”, lembra.

Em comemoração ao aniversário do programa, a equipe do Museu Da Imagem e do Som de São Paulo, com apoio da TV Cultura/Fundação Padre Anchieta, organizou uma mostra em homenagem ao programa. Nela, os visitantes podem conferir peças do acervo, como objetos de cena e figurinos dos personagens, além de trechos do programa e depoimentos gravados pelo elenco. Para mais informações, acesse aqui.

Além disso, os visitantes podem entrar literalmente no Castelo em ambientes como o saguão principal e a biblioteca, recriados especialmente para a exposição e ver de perto bonecos como o Gato Pintado e a cobra Celeste. Jéssica teve a oportunidade de visitar a exposição durante uma viagem à capital e diz que estava com uma expectativa alta e apesar de já ter visto algumas fotos do local, se surpreendeu muito. “Os ambientes recriados realizavam o desejo de criança, de fazer parte da história, como um dos personagens.”

A música também era bastante presente na vida das crianças da época. Xuxa, Eliana, Angélica e Sandy & Junior eram alguns dos favoritos entre elas. Mas também havia grupos que apesar de não serem direcionados às crianças, faziam o maior sucesso entre elas. O maior exemplo disso era a banda Mamonas Assassinas, que tinham letras cantadas por aqueles que em sua inocência, sequer entendiam o que elas queriam dizer. E não havia preocupação dos pais quanto a isso.

POR QUE TANTA NOSTALGIA?

“São as primeiras lembranças, de uma época sem preocupações. A simplicidade da infância faz falta quando o trabalho ou os estudos sufocam, a sensação é que naquela época tudo era mais fácil”, comenta Jéssica. Victor Mello, 21, concorda e diz que “A infância é uma época em que você não tem o peso da responsabilidade, você simplesmente vive, simplesmente curte a vida”. Além disso, segundo como menciona Fernanda de Almeida, 21, havia outro sentimento naquela fase. “Quando somos crianças, a vida é mais simples, existe o encantamento pelas novidades e a inocência não nos deixa ver o mal que está presente nas pessoas. Tudo tem mais valor. Tudo é mais colorido e engraçado.”

É importante carregar essas lembranças, principalmente porque a infância ajuda na formação do caráter. Danilo conta que as crianças aprendiam a dar valor as coisas. “Por exemplo, quando a gente brincava na rua, a gente tinha que respeitar quem era mais velho, tinha que respeitar os carros passando na rua”. Fernanda diz que tenta passar tudo o que aprendeu na infância para as sobrinhas. “Quero que elas vejam que o mundo pode ser mais do que uma televisão ou joguinhos no celular. Quero que elas sejam felizes de verdade, que brinquem, dêem risada, soltem pipa, leiam livros e façam amizades.”

A infância é também o momento da formação da personalidade e aptidões de cada um. Jéssica acredita que manter as lembranças é como preservar sua essência, a pessoa que você era antes de ser influenciada por outros. “A imaginação sempre esteve presente em minhas brincadeiras. Os programas que ensinavam a fazer brinquedos e artesanatos ajudaram a exercitar minha criatividade, assim como desenhar e pintar me ajudaram a ter alguma noção artística, e com certeza isso influenciou na escolha da profissão”, completa a publicitária.

Para Susana Daltio, 26, a época de criança é uma das melhores fases da vida. “Por mais que a gente cresça e tenha que mudar, ainda queremos levar lembranças da infância dentro de nós. É importante ter um pouco dessa simplicidade.” Além disso, ela conta de que forma esse período teve influência na vida adulta “Não tenho medo de botar, literalmente, os pés no chão e de me sujar. Não vejo tudo como descartável, ainda gosto de escrever à mão, coleciono livros e sou a favor de uma existência mais humilde. Não sei se devo tudo isso aos anos 90, mas gosto de pensar que sim.”

Sejam os brinquedos, programas de TV ou simplesmente a vida tranqüila daquela época: tudo isso faz com que os jovens de hoje, crianças dos anos 90 tenham aquele sentimento tão nostálgico em relação à infância. O tempo passa e as coisas mudam, isso é inevitável. Mas assim como nossos pais se lembram da infância deles, nós sempre nos lembraremos da nossa e nossos filhos farão o mesmo no futuro. O importante é guardar cada lembrança com carinho e saber tirar o melhor de cada uma delas, para não perder a nossa verdadeira essência e tudo o que aprendemos quando crianças.

GERAÇÃO TECNOLOGIA

Muita coisa mudou nos últimos anos e ainda há muito para acontecer. A cada dia surge uma novidade tecnológica e as crianças acabam influenciadas por ela tanto quanto os adultos. É claro que não podemos generalizar e pensar que todo mundo é igual, mas o que será que as crianças dos anos 90 acham da geração atual? Confira a opinião de quem ajudou a construir essa matéria:

“Hoje em dia é tudo mais fácil, mas também mais complexo, só que não é tão prazeroso como era antes. Acho que pela sociedade ter mudado bastante, tudo fast, tudo stress, tudo corrido, mudou bastante. “Hoje, por exemplo, com 10 anos de idade, a criança sai da escola, vai pra natação, vai pro inglês, vai pra aula de balé. Antes a gente ia pra escola, voltava, brincava na rua o dia inteiro, às vezes fazia uma aula de futebol aqui, uma coisa ali, mas não tinha essa obrigação toda, essa rotina toda fechada. Então a criança tem a rotina igual a de um adulto mesmo”.

Danilo Calçado, 25 anos

“Acho que naquela época, as fases da vida eram respeitadas ainda. Crianças agiam como crianças, jovens como jovens e assim por diante. Eu não me preocupava em atualizar redes sociais, em tirar fotos, em receber ligações e enviar SMS. Nem ficava em casa enfiada no quarto na frente de um computador. Não tinha essa frescura de não brincar na terra, de não andar descalço, de ter que ficar na moda.”

Fernanda de Almeida, 21 anos

“A tecnologia é o divisor de águas. Minha geração foi a transição. Quando tive acesso a computador e internet, o uso era restrito, não podia usar o dia todo, precisava dividir com toda a família. Hoje em dia cada um, mesmo crianças, tem o próprio celular, tablet, computador. Consumir entretenimento, estudar e até brincar, tudo foi modificado pela tecnologia. Não que isso seja completamente ruim, mas exige maior monitoramento de adultos, já que a internet pode oferecer riscos à segurança das crianças”.

Jéssica Ambrósio, 22 anos

“As crianças de agora não são como nós por causa do celular. Antigamente a gente queria um brinquedo, hoje a criança quer um tablet, quer um celular. A nossa geração era totalmente brincar na rua, andar descalço na enxurrada, era uma geração totalmente livre de tecnologia. A tecnologia surgiu quando a gente já era praticamente pré-adolescente. Eu fui ter meu primeiro celular com 13 anos, o meu primeiro computador com 10.”

Marianna Garcia, 23 anos

“Criança hoje já nasce entendendo que é preciso ter um celular pra ser alguém. Eu acho que é isso, desde pequenininho. É só começar a ir pra escola, na primeira ou segunda série que já vai ser imposto aquilo pra elas. Você tem que ter um Iphone. Ai elas dão chilique para os pais que dão o aparelho para elas e daí não aproveitam infância nenhuma. Com dez anos vão estar preocupados com foto de Facebook.”

Victor Mello, 21 anos

“Hoje existe muito mais tecnologia em casa e mais violência nas ruas. Assim, as crianças ‘brincam’ no computador, celular, videogame e não experimentam o que eu, meus pais e avós tivemos: aquela liberdade de brincar lá fora com outros.”

Susana Daltio, 26 anos