Conheça o perfil dos assentados entrevistados

De acampados a assentados. Saiba mais sobre cada família

Por: Gabriel Torres, Janaína Oliveira e Tamires Martins

Aparecida de Jesus Gomes de Paula, moradora do assentamento Palú

Com a doçura e inocência de uma criança, Adriana Aparecida de Jesus Gomes de Paula, a Baixinha, passou parte da infância no acampamento, junto com os pais e com os irmãos, no ano de 1990, na Fazenda São Bento. Atualmente, Adriana mora com o marido e as filhas no Assentamento Palu.

A família de Adriana foi para o acampamento quando ela tinha oito anos, todos resolveram ir para o acampamento, pois a vida na cidade estava difícil, nessa época eles passaram fome, pois não havia comida, Baixinha conta que para matar a fome comiam pé de galinha, fubá e água e até banana verde e que não fosse por esses alimentos, não teriam sobrevivido. Vendo o sofrimento das crianças, quando a fome apertava os pais matavam o gado da fazenda, para ela esse foi o dia mais feliz dentro do acampamento, cada criança segurando um pedaço de carne junto com o pai.

No acampamento, por conta da poeira e falta de comida, a situação precária por viverem debaixo das lonas, o pai de Adriana adoeceu, com problemas no pulmão, eles tiveram que voltar para Mirante, para conseguir atendimento médico, após seis meses sem melhora, acabou falecendo.

Com 18 anos, Adriana voltar a acampar sozinha na Fazenda Palu, sua mãe ficou na cidade de Mirante do Paranapanema, dentro do acampamento ela era tratada por todos como filha por todos. A dona de casa conta que essa foi uma época de geada, para se esquentarem, eles ficavam perto do fogão conversando, cozinhavam mandioca para comer, essa era a única diversão que eles tinham.

Baixinha conseguiu um lote de sete alqueires e uma quarta, no Assentamento Palu no ano de 1997, no dia de São Pedro. Sua mãe ficou como a proprietária do lote, mas há quatro o lote foi passado para o nome dela. Dentro do seu lote ela trabalha com o gado e planeja trabalhar com a agricultura.

Apesar de ter conseguido suas terras há 20 anos, Adriana afirma que ainda sofre preconceito por ser assentada, ela diz que sente isso na pele quando vai comprar algo no comércio e até mesmo dentro da escola onde suas filhas estudam, até pra conseguir carona é difícil.

Baixinha, relembra que os dias dentro do acampamento não eram fáceis, o momento mais marcante para a Baixinha, foram às mortes de alguns companheiros que lutavam por um pedaço de terra.

“Foi difícil, mas essa foi a melhor época que passamos”, é dessa maneira que Adriana descreve a vida dentro do acampamento, pois seu pai ainda estava vivo, e a família ainda estava unida. Ela ainda afirma que se fosse necessário faria tudo de novo, até a parte de comer polenta com água, as bananas verdes e os pés de galinha.

Cícero Bezerra de Lima, morador do assentamento Florestan Fernandes

Cícero Bezerra de Lima, resolveu ir em busca pelo tão sonhado pedaço de terra no ano de 1996, passando por vários acampamentos diferentes. Dentre eles estava a Fazenda Santa Rita, pertencente a Marcelo Negrão. E também passou pelos municípios de Santo Anastácio, Teodoro Sampaio, Mirante e por fim Presidente Bernardes. Ele era morador do distrito de Nova Pátria e resolveu ir para um acampamento porque não queria mais ser empregado, queria ter seu próprio negócio.

A vida dentro de um acampamento, tem os momentos bons, mas o que fica marcado é o sofrimento. Cícero conta que uma das coisas que motivou ele e o grupo ir para a luta foi a novela “O Rei do Gado”, transmitida pela Rede Globo. O maior inimigo do acampado sem sombra de dúvidas é a UDR (União Democrática Ruralista). “Quando a gente foi para a fazenda Santa Rita, a UDR montou uma guarita atrás do acampamento, com segurança armado 24 horas por dia. Se caso a gente entrasse na área, parece que iam reprimir.”

Outro fato que marca as pessoas são os conflitos que acontecem durante a luta. Cícero recorda quando foram acampar em uma fazenda em Teodoro Sampaio era domingo 14h00, a UDR entrou no acampamento e baleou oito pessoas. Mas também tinha a parte que dá saudade afinal eram construídas amizades naquele âmbito. “Era uma cidade dia de sábado tinha três bailes, todo domingo tinha missa, e para os evangélicos culto. Era muita gente mesmo.”

A esposa de Cícero Silvana, recorda um fato inusitado que aconteceu na época, haviam muitos conflitos tanto com a UDR, como com os jagunços de fazendeiros. Cada vez mais as ocupações aumentavam tornando-se histórias de interesse nacional. Um dia ela assistiu no Fantástico uma reportagem sobre pessoas que foram baleadas no acampamento em que Cícero estava. “Eu não tinha noticias dele quando eu assisti eu achei que ele era uma dessas pessoas. O companheiro dele chegou em casa mas ele não. Eu tinha certeza que ele tinha morrido”, conta Silvana.

É praticamente impossível contar a história de Cícero sem falar sobre a importância que Zé Rainha teve no pontal. Amigo pessoal do produtor ele lembra que o Zé, não tinha medo de nada de ninguém e que fazia de tudo para ver as pessoas ocupando as áreas devolutas que haviam no Pontal.

No dia 20 de julho de 1998, Cícero teve acesso ao seu lote, mas o trabalho não havia acabado estava apenas por começar e virar um problema ainda maior. “A maior dificuldade é quando você ganha o lote, ai vai cada um pra um canto, você aquela terra toda, cheia de mato, e bate o desespero, e agora o que eu vou fazer aqui?”, conta Cícero.

Hoje ele mora com sua esposa e seu único filho trabalha no distrito de Nova Pátria, estuda direito. Atualmente produz sementes de capim e leite em sua propriedade. Continua auxiliando alguns acampamentos, mas pelo medo ele prefere não se expor e nem estar tanto à frente. Cícero também acredita que a realidade da luta pela terra está ficando cada vez menor, afinal as pessoas não tem mais a coragem e vontade de sair em busca como antigamente. Quando foi perguntado se ele voltaria a viver tudo isso ele sorri. “Com certeza, vale a pena, eu trabalho o dia que eu quero, e não tenho patrão para me mandar embora.”

Gumercindo Ferreira Barbora, morador do assentamento Rodeio

Gumercindo Ferreira Barbosa e seu filho Arnold se deslocaram para o acampamento em meados de 95 e 96 e resolveram ficar na Fazenda São Domingos, que antigamente era chamada de Taquarussu, no município de Sandovalina. Muitas vezes foram para outros acampamentos demonstrar apoio para quem lutava pela causa e no ano de 1997 se deslocaram para o município de Presidente Bernardes.

Ao chegar em Presidente Bernardes a família passou por uma espera de oito meses até que o lote fosse cortado e pudessem passar a viver no local onde vivem até hoje. Antes de fazer parte da luta pelas terras, a família vivia em Presidente Prudente, porém, partiu em busca de novas oportunidades de vida.

Mesmo tendo uma moradia em Presidente Prudente, Gumercindo sempre sonhava com a vida na roça pela tranquilidade, tendo em mente que ao aposentar se deslocaria para o campo.

Os relatos da vida no acampamento como diz Arnold, eram de brigas, uso de drogas, peões que matavam gados de terceiros, tudo era sofrido.

Gumercindo ressalta que estavam nos acampamentos com a finalidade de conquistar uma terra e usando como base o depoimento do filho aborda que em todo lugar há atitudes erradas, muitas pessoas podem parecer ser boas, mas apunhalam por trás.

Atitudes como cortar cercas de arame nunca foram aprovadas por Seu Gumercindo, a finalidade era pegar a terra, então mesmo no acampamento muitas vezes tinham inimigos, pela divergência de ideias. Hoje a situação é tranquila no assentamento, mas houve tempos em que roubos eram constantes e o medo muito grande.

A dona de casa Benedita Barbosa, esposa de Gumercindo, relata que não participou do processo de acampamento, porém, auxiliava a família junto com o filho mais novo e ia com a sua perua para o Ceasa, em Presidente Prudente, onde ganhavam verduras que não distribuídas para os acampados.

Dona Benedita ainda destaca que por não querer ficar na agrovila em Presidente Bernardes, foram discriminados, chegando a um ponto que quase perderam o lote. Na sua percepção, se fosse para morar na agrovila preferia ter ficado em Prudente. A família buscava a sua liberdade e trouxe benefícios para o acampamento, tendo como exemplo o poço que abastecia os acampados e foi motivo de ciúmes.

O trabalho em conjunto entre os assentados fez com que um canto onde se encontrava apenas mato se tornasse a moradia de muitos.

O valor do financiamento recebido foi de R$ 4 mil, dinheiro aplicado para investir na produção de café e cercar o terreno, o que não foi o suficiente, pois o serviço não pode ser completo por falta de verbas, gerando problemas com a vizinhança que chegou a denunciá-los no Itesp.

Sempre fizeram parte do MST enquanto acampados e por um período Seu Gumercindo foi coordenador de acampamento, mesmo contra a sua vontade, por ser um cargo que traz muitos problemas. Tomou a frente, pois se não tivesse um representante o grupo não poderia participar do processo de acampamento.

Segundo Gumercindo, o pessoal da Cesp forneceu uma casa de qualidade enquanto estavam acampados, por isso até certo ponto estávamos em tranquilidade, pois fugimos da confusão.

Tudo era organizado até certo ponto, segundo relato de Gumercindo. Os representantes iam para o cartório e conferiam a situação das terras para saber qual poderia ser ocupada. Evitava-se bater de frente com os donos da fazenda, e muitos funcionários se juntavam a nós para a luta pela terra.

A produção no campo é a peça chave para que se tenha uma terra valorizada. Os assentados adotam dessa mesma ideia, como é o caso de Gumercindo Ferreira Barbosa, que é dono de uma rica produtividade em seu território.

Marisa Luz, moradora do assentamento Rodeio

A professora Marisa Luz acompanha a luta pela terra desde a infância. Natural do Rio Grande do Sul, ela se mudou para o Pontal para acompanhar o esposo, o líder Cido Maia. Mesmo chegando aos lotes no momento que as famílias já estavam assentadas, a professora criou uma identidade com o movimento, se preocupando com uma educação de qualidade e a inserção da escola do campo nos assentamentos.

Marisa explica o processo de ocupação, relatando que há um estudo de determinada área. Há um histórico de terras na região que está sob o poder da justiça e o estado requere na justiça uma quantidade de áreas na região. O MST estuda essas áreas e a partir daí se trabalha com a mobilização dos integrantes para os acampamentos, através de um trabalho de base nas cidades, dialogando com as famílias os objetivos de nossa causa. Ao chegar na área é organizado o acampamento e a partir daí não se determina um tempo para ficar, pois depende muito  da burocracia e negociação, podendo ficar de dias, a até meses ou mais tempo.

Cada grupo dentro dos assentamentos tem a sua função. Existe a equipe de estudo, segurança, entre outras que trabalham em função do povo. Quando precisamos recuar vamos para a beira de estrada e ficamos em um canto provisório para planejar uma próxima ocupação.

O processo de ocupação se da através de um trabalho de base em que se busca a família, onde se fazer uma reunião que mostra os benefícios da luta pela terra.

Ainda segundo relato de Marisa, houve bastante apoio aos assentados na luta pela terra. A Igreja Católica teve um papel muito importante, os próprios sindicatos, parlamentares, alguns políticos do município, como é o exemplo doem-prefeito Padre Umberto, que trouxe a escola para os assentados. Mesmo com as limitações ele foi o político que trouxe mais apoio para os assentamentos.

O processo de chegada a Presidente Bernardes ocorreu pois foram liberadas as áreas na região no momento em que estavam acampados. As famílias estavam na Fazenda Taquarussu e no momento que saiu essa área havia uma pressão muito grande para a resolução do conflito agrário na região. O governo de Mario Covas e o seu antecessor foram pressionados nessa questão, estão foram estudadas as áreas que podiam ser ocupadas, entre elas estava Presidente Bernardes.

Marisa cita a educação como uma das primeiras preocupações no momento em que chegaram aos lotes. Foram elaboradas discussões e conversas com as autoridades sobre a necessidade de ter uma escola dentro dos assentamentos, pela distância que os mesmos ficam de Nova Pátria.A Escolarização de Jovens e Adultos (EJA) é outra preocupação nos assentamentos, devido a grande taxa de analfabetismo entre os assentados.

Marisa relata que em conversa com os assentados apresentou a importância de ter uma escola no assentamento, representando mais do que um espaço de educação, mas também um local para se socializar. Também tem o papel importante de ser o local onde se realizam muitas festas e ocupa espaço central na organização dos assentamentos.

Do ponto de vista pedagógico, há um diálogo com o poder público sobre a verdadeira escola no campo. Marisa analisa que para o município é muito mais cômodo adotar o padrão de ensino que já está pronto, ao invés de inovar e trazer mais ensinamentos. Tudo teria que ser mudado, desde currículo, a processo político e formação de professores adequados para dar aula no campo. Houve momentos em que houve mais aberturas para a elaboração dessa ideia, por isso ainda não há o desânimo dos assentados em relação a esse sonho.

É preciso que se avance a outras perspectivas, segundo Marisa. O número de crianças caiu, portanto deve ser analisado um plano que valorize os jovens dos assentamentos, visando assim o futuro dessas terras.

Tendo em vista toda essa situação, se percebe a movimentação nos assentamentos por um progresso. Marisa Luz é quem toma frente na questão da educação no campo e visa uma qualidade de vida maior aos assentados.

Maurício Ozorio, morador do assentamento Santo Antônio

Quem conhece o Maurício pode achá-lo uma pessoa mais reservada, mas não imagina  as historias de batalha que ele tem pra contar, sobre o  que teve que  enfrentar até  conseguir seu pedaço de terra. Mauricio, mora com a mulher Lena, que também foi acampada e o filho no lote 11, no assentamento Santo Antonio, no Município de Presidente Bernardes.

Mauricio , decidiu ir para o acampamento no ano de 1991, após servir o exercito, o primeiro lugar onde ele ficou acampado foi na fazenda São Bento em Mirante do Paranapanema. A idéia de ir para o acampamento surgiu após ter ouvido que para quem tivesse interesse em participar do MST (Movimento dos Trabalhos  Sem Terra), teria a oportunidade de conseguir de sete alqueires e meio de terra, o que equivale a 16 hectares e sete mil e quinhentos reais para cuidar da terra.

Desempregado, só conseguiu o provisório da terra em 1996, e só pegou três alqueires, na fazenda Curata, após o ocorrido ele decidiu tentar a sorte e acampar nas terras da fazenda Santo Antônio, onde conseguiu as terras em 2000.

Mauricio conta que dentro do acampamento a situação era precária, só foram receber uma cesta básica que vinha todo mês, depois de três anos de acampamento. Para conseguirem dinheiro para a sobrevivência, mas sem perder o seu lugar no acampamento, ficaram por trinta dias na fazenda e conseguiam trabalhar nas roças.

Segundo ele, a  convivência dentro do acampamento é boa, por passarem bastante tempo juntos, acabam se tornando uma família, mas diz que o problema começa é quando são sorteados os lotes. Por conta das distâncias da localização dos lotes faz com que exista um afastamento entre os agora assentados, mas se alguém dentro do assentamento precisar de ajuda, todos estão lá para amparar.

O pecurista Mauricio afirma que os conflitos entre os acampados e os jagunços eram constantes. Houve várias tentativas dos donos das terras para tirá-los de dentro da fazenda. A UDR, estava sempre a postos para expulsar qualquer um que quisesse ocupar a terra dos fazendeiros, nessas disputas o sangue de várias pessoas que se alojavam foi derramado.

Uma critica feita por Mauricio, é que o Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo), não participa das negociações para a posse das terras, apenas os auxilia com técnicos e veterinários, apenas após o ganho da terra.

Mauricio afirma que nos primeiros anos em que conseguiu a terra, investiu apenas na agricultura, com o cultivo do algodão, feijão, milho e mandioca, por ser uma produção mais barata, mas acabou não tendo retorno do cultivo e começou a trabalhar apenas com o gado.

Lena, mulher de Mauricio também conquistou terras na fazenda Três Irmãs, ela era famosa “Andorinha”, acampava apenas no fim semana, pois na época ela trabalhava como funcionária da empresa de ônibus, ela ocupou a fazenda apenas por um ano e já conseguiu as terras.

O momento mais difícil, descrito por Lena é após a conquista das terras, pois essa é hora em que percebe que está sozinha, e é necessário construir a casa, o poço, a cerca, instalar a energia. Mas para isso, é necessário fazer um empréstimo pelo PRONAF, no valor de R$ 9.500 reais, podendo usar 40 do dinheiro para fazer tudo. 

Para ficarem com lotes no mesmo assentamento, Mauricio e Lena foram trocando, até conseguirem no Assentamento Santo Antonio, o primeiro é utilizado para a criação do gado, já no segundo, é onde está localizada a casa e o cultivo da cana-de-açúcar.

Lena afirma que um dos problemas dentro dos assentamentos é a falta de incentivo aos jovens, por conta da falta de ônibus e até mesmo de escolas, fazendo com que não exista uma continuidade da tradição da lida no campo, o que faz que os jovens migrem para a cidade. O problema maior é quando os proprietários morrem os filhos não querem as terras e elas são vendidas para o governo.

Apesar de ter sido uma luta sofrida para a conquista das terras, o casal afirma que não venderiam o lote por nada e que pretendem deixá-lo de herança para o filho, para que ele tenha a oportunidade de continuar as atividades dentro do lote.

Marinotti, morador do assentamento Água Limpa

Valdecir Marinotti, tinha o sonho de possuir um espaço para viver do próprio plantio, durou oito anos. Hoje ele mora no assentamento Água Limpa, pertencente ao Município de Presidente Bernardes, trabalha com vendas no setor de laticínio e orienta jovens e mulheres no campo a dar início na produção de leite. Casado com a assistente social Telma Marinotti que também ao longo dos anos desenvolve trabalhos voltados para os assentados.

No ano de 1990, Valdecir se encontrava desanimado profissionalmente. Morava em Londrina no Paraná, e trabalhava de empregado em uma fazenda que produzia e colhia café. Foi chamado em seguida para trabalhar em uma loja de auto peças, quando tinha 20 anos, foi assim que pessoas ligadas ao MST, o convidaram para uma ocupação que aconteceria na cidade de Mirante do Paranapanema. O sonho do irmão em ter um pedaço de terra falou mais alto e o jovem resolveu deixar tudo e ir para o estado de São Paulo.