A criança que perdeu a infância

Aparecida Adriana de Jesus foi para o acampamento logo na infância, com os pais e os irmãos.

Por: Mariane Ferreira

A luta pela terra

Em que ano você foi para o acampamento?

Foi logo no começo, no acampamento São Bento.

Você foi junto com o Mauricio e a Lena?

Não, eu fui por causa, que na época ele foi para outro assentamento, outro acampamento. Nós fomos lá no fundão do Pontal mesmo. Quando começou foi naquela época que as polícias, o governador trazia as policias, caixão tudo. Veio policiais de Venceslau tudo para, como se diz, tirar nós, para gente desacampar da fazenda.

Quantos anos você tinha mais ou menos? Você lembra?

 Acho que eu tinha 8 anos. Foi uma coisa muito, sabe assim, foi  época que a gente passou fome, época que não tinha comida. Nós chegamos a comer pé de galinha, fubá e água. Não tinha óleo, não tinha sal, não tinha nada. Nós fazíamos aquela meleca, eu falo assim meleca. Minha mãe fazia aquela meleca para a gente comer aí nós, como se diz, somos vivos por causa daquilo. Ai naquela época foi muito sofrimento. Foi eu e meu pai e mais gente, aí o fazendeiro falava assim: vocês não podem mexer no gado não que o gado é tudo registrado. Todos os pais estavam vendo seus filhos pedir comida nós não conseguimos nisso. Aí os pais juntaram todos nós, um monte de criança, cada uma carregando um pedacinho de carne, tudo sujo, se vocês pensarem assim, se vocês imaginarem cada criança carregando um pedaço de carne, cada pai carregando um pedaço para o seu filho, mas na época a gente não sabia que era proibido, mas como se diz para matar a fome nos acampamentos foi assim. Depois começou que o pessoal do MST tinha que ser preso, por causa disso, mas assim eles fizeram, eles não, nós fizemos isso, nossos pais fizeram isso para matar nossa fome. Eu aceito até hoje, porque se ele não tivesse feito isso eu acho que um dos meus irmãos tinha morrido tudo. Eu cheguei a comer banana verde cozida. Eu não posso ver banana, tem hora que me da trauma quando eu vejo ela verde, eu gosto muito dela, mas tem hora que dá um pânico quando eu vejo ela assim verde eu lembro tudo, pé de galinha ele lá longe e eu aqui. Peguei trauma de galinha, mas não é fácil, é bem complicado assim.

Qual foi o motivo que influenciou sua família para acampar?

Porque não estava tendo sobrevivência na cidade, estava sendo mais difícil na cidade do que ficar no sitio e todo mundo falou que quando fosse para o acampamento ia pegar um pedaço de terra ai foi na hora que todo mundo se desesperou, da cidade.

Você pode explicar, contar para nós, detalhar, como que é a vida dentro de um acampamento, as dificuldades que vocês passam?

É sofrido gente, não é fácil não. Para lavar louça é na beira do rio, é nas minas, ou então vocês têm que ter uma vasilha uns baldes para carregar, para trazer para dentro do barraco para lavar ali no barraco. Cama não é cama normal, vocês têm que pegar quatro furquilha enfiar na terra no chão, escolhe o local que vocês querem que seja a cama de vocês dentro do barraco, aí faz aquelas quatro furquilha, depois vocês têm que tirar um monte de pauzinho fino para colocar para fazer, que é tipo tarimba, aí para colocar o colchão em cima para colocar um pano, aí depois vocês têm que arrumar papelão pra colocar entre a lona.

As ocupações são realizadas à noite?

Tudo de noite nós conseguimos. Porque não dá tempo pra avisar é final semana e a polícia quando vai saber, a gente está tudo acampado.

Não dá nem pra impedir, né?

Não dá, não tem como, nós fazemos isso tudo no final de semana. Porque o pessoal fala assim que a polícia só funciona de terça feira pra frente, eles falam que abre o fórum, os advogados, os fazendeiros falavam isso pra gente. Mas tinha muitos que eram bonzinhos, mas tinha muitos empregados que era ruim em, nossa, principalmente da São Bento, os da São Bento eram ruins

E quando vocês vinham aqui pra Bernardes aqui nas ocupações, vocês tinham que se virar com comida com as coisas, ou alguém, prefeitura, ou algum órgão ou o MST providenciava comida pra vocês?

Não, cada um carrega suas coisas.

Teve alguma coisa que você recorda?

Assim marcante se juntar eu e os meus três irmãos, eu vou falar pra vocês, nós com oito anos, pegamos uma galinha, o vizinho tinha um monte de galinha, ai gente nós pegamos, crianças para limpar a galinha fomos limpar a galinha mas nós não colocamos na água quente pra limpar, fomos limpar na água fria e as penas não saiam. Nós tudo com fome, tiramos as penas da galinha, a gente não sabia corta, cortamos tudo errado. Colocamos na panela pra cozinhar, mas não na panela de pressão, panela normal, só que a gente salgou e fomos comer. A gente sentava no chão pra comer ai o cachorro veio e fez a festa da nossa carne, foi emocionante, mas nós ficamos ao mesmo tempo contente, porque o bichinho também estava com fome, e ai a gente ali, tudo criança olhando, mas que a gente ia fazer. Quando a gente se junta, fala que foi castigo porque nós pegamos a galinha do vizinho. Mas a gente estava com fome, não tinha comida naquela época e nós pegamos a galinha. Só que o coitadinho do cachorro também estava com fome, o coitadinho também comeu, é assim nós não esquecemos disso.

A conquista

O Itesp cumpre a sua função de auxiliar os assentados?

A nem tudo, primeiro tem que ter o técnico, veterinário, e assistente social, nem todos fazem a parte não. O pessoal pega muito no pé, aqui a Palú ficou acho que dois anos três anos sem técnico agora que chegou o técnico.

Quando você veio para a Palú você tinha vontade de plantar de mexer com alguma coisa, ou você só queria um pedaço de terra pra você construir sua casa como que era?

Não, ainda, como se diz. Ainda não está definitivo, ainda não plantei as coisas ainda que é para plantar. O lote não era no meu nome era no lote da minha mãe, ai agora que está com quatro anos que passou pra mim, mas ai que veio eu comecei mexer mesmo com o lote mesmo foi o ano passado, em novembro que eu comecei. Eu só consegui plantar o capim e as vaquinhas eu peguei oito cabeças de vacas. Eu consegui pelo banco, mas ainda estou com quatro alqueires que eu vou plantar de grama agora pra manejar para as vacas, ainda não consegui, a gente quer plantar as coisas ainda, roça tudo, mas ainda.

A luta hoje nos assentamentos

Em todo lugar que a gente foi nós ouvimos reclamações que hoje não tem um apoio para os jovens permanecerem no assentamento. Por que hoje não criam nada pros jovens continuarem aqui. O que você acha que era necessário para os filhos continuarem a produção dos pais?

Está faltando muito, muito porque todos estão indo embora, todos assentamentos não têm apoio da prefeitura para fazer faculdade, está indo todo mundo embora para pode estudar e morar lá fora, todos filhos de assentado. O pessoal está arrumando serviço lá fora, não tem mais assim eu quero morar no sitio vou vir viver do sitio os filhos de assentados não tem porque a gente tinha corrido atrás para ver se conseguia um ônibus para vir até aqui da faculdade diz que vinha mais não chegou, não veio, aí o pessoal pegou desistiu, pegou e foi todo mundo, os jovens foram embora para morar lá e estudar lá em Prudente. Foi assim que eles fizeram os filhos dos assentados, aqui do Pontal.

Mesmo quando vocês conseguem o pedaço de terra vocês continuam lutando?

Não. Agora que é pior, tem muitas vezes que a gente não consegue plantar, vem geada mata tudo, você fica devendo no banco, aí o desespero pra conseguir pagar. A gente fica sofrendo tem noites que não dorme, aí depois vai planta de novo, aí vem a chuvinha, fica tudo bonito e você alegra. Ai esta época que você está triste, época que a gente sofre mais é na época do frio, mas se Deus abençoar, daqui uns dois meses a gente está tudo animado, tudo contente de novo, tudo verde e tirando cem poucos litros de leite ai o pessoal anima. Essa época é a época mais triste pra nós.

O que você acha que falta hoje no município pra, para incentivar e ajudar todos os assentados?

A, se o prefeito desse mais apoio, vivesse mais, andasse mais aqui dentro do assentamento, para ele sentir onde que é o problema, para ele vê o problema, se tivesse alguém de lá que ficasse nos assentamentos olhando, igual quando era o Julinho, a cada 15 em 15 dias, o prefeito, ele passava.

APARECIDA ADRIANA DE JESUS GOMES DE PAULA

ASSENTAMENTO PALÚLOTE: 01

Data da entrevista: 13/07 – 14h

Meio: Pessoalmente (Foi usado gravador)

Adriana relembra através da música, os companheiros que morreram em prol da luta:

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