ELES ESTÃO CONECTADOS

A tecnologia cada vez mais frequente no cotidiano das pessoas, diferencia gerações e mostra-se capaz de aproximar apesar da aparente dessocialização.

Por: Thamires Ferreira

“Vocês vão ficar é surdo”. Essa é a frase que dona Delaide Ledesma, 51, diz aos filhos de 28 e 26 anos quando eles permanecem muito tempo ao telefone. Apesar de brincar com a situação ela acredita conseguir impor limites. “Jovens dão mais atenção ao telefone do que pra eles próprios. A gente tá conversando e eles tão no Facebook. Vai ver na minha época?”.

Esse costume tão comum aos chamados membros da geração Y e Z (confira no infográfico) aparentemente está distante do cotidiano dos nascidos entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1980. No entanto essa rotulagem se dissolve parcialmente nos dados da “Pesquisa Brasileira de Mídia” encomendada pela Secretaria de comunicação da Presidência da República em outubro do ano passado.

Os hábitos de consumo de mídia do brasileiro foram datados em níveis de preferência por: TV, internet, rádio e meios impressos. E confirma que os mais jovens, os habitantes de grandes centros urbanos e/ou com maior renda e escolaridade de fato acessam a internet com maior frequência.

Mas o resultado surpreende quem tem o julgamento precipitado de que mais ninguém assiste à televisão. Essa visão disseminada pelo advento da internet é derrubada na casa de dona Delaide, pois o máximo de tecnologia que ela se atreve a lidar é com a televisão.  “Todos os adolescentes têm celular. Eu não, eu não gosto.” Segundo a pesquisa o aparelho televisor ainda fascina, entretém, ou simplesmente fica constantemente ligado na casa de 97 dos brasileiros.

De acordo com Flora Dutra do núcleo de pesquisa “Mídia, Recepção e Consumo Cultural” da Universidade Federal de Santa Maria (USFM) “a posse do objeto por jovens de baixa renda elabora uma ampla relação de novos significados com a mídia, família e a sociedade em geral, pois o consumo televisivo fica evidente em postagens.”

Para quem consulta as redes sociais diariamente, responde aos e-mails com frequência, e ainda acompanha uma série americana via NetFlix, fica difícil considerar a possibilidade de que 53 por cento da população nunca acessa a internet. “Hoje em dia está avançado. Mas a gente nem tem computador, só o celular dos meus filhos mesmo”, diz com a maior simplicidade. Ela conta que os netos de cinco, nove e onze anos já mexem nos celulares dos pais, o mais velho inclusive já tem um modelo que possibilita acesso ao Facebook.

GERAÇÃO Z

 A quarta parte restante dos cidadãos residentes no país (a qual pertence a geração até 20 anos) costuma ficar on-line todos os dias por até três horas e 43 minutos. “Pessoas que não tem celular ou Whatsaap são antissociais. Com absoluta certeza esse tipo de tecnologia hoje é uma necessidade”, disse o estudante de Sistema de Informação Vinicius Breda, 19, que não desgruda do IPhone 4S sequer durante o expediente.

Esse típico exemplar da Geração Z (nascidos pós 1995) leva o carregador de baterias consigo a todo o momento, pois ela não dura mais do que seis horas tamanho tempo de uso. “Pra tirar ele de mim você precisaria de uma 38mm. Nem com as ameaças da minha mãe eu o deixei”, conta sem tirar os olhos da tela e muito menos permitir que a repórter encoste no aparelho.

Na mesma faixa de idade, João Manuel Ribeiro Porcino, 17, assume estar “um pouquinho viciado” no Smartphone adquirido há cerca de um ano. Ele dedica ao dispositivo no mínimo três horas de seu dia. Mas a bateria dura quase 20. De acordo com a The Nielsen Company, a cada dez brasileiros, três possuem um dispositivo portátil como o dele. E são mais comuns entre jovens de 16 a 24 anos.

Para ambos é difícil separar a vida conectada dos ambientes de trabalho e estudo. “Não fosse o celular terminaria minha faculdade em quatro anos”, afirma Vinicius. Como também é DJ ele justifica 18 horas on-line como ossos do ofício. Em um panorama menos drástico, o estudante do ensino médio nunca foi repreendido pelo hábito.

Por isso, a Prisma propôs, aos dois, abstinência do telefone por até 6 horas. O objetivo não foi torturar os rapazes, e sim medir quão conectados estão através das mensagens, ligações e sensações psicológicas. Em menos de 15 minutos de entrevista Vinicius já xeretava a caixa de mensagens, enquanto que João Manuel resistiu bravamente das 11h às 16h20 de um sábado.

Percebe-se que essa febre tecnológica mudou sim o jeito de as pessoas se relacionarem, mas positivamente. Os estudantes afirmam estarem mais próximos dos conhecidos, e que solucionam com mais rapidez problemas antes dispendiosos ou originadores de desencontros.

Mesmo sem se conhecer os dois concordam que ainda não houve troca do contato pessoal pelo virtual. “Quando estou com meus amigos botamos a conversa em dia, aí vai ficando sem assunto e todos passam a olhar para o celular”, admite João Manuel. “Em ‘roles’ com minha galera não uso celular. E os obrigo a não usar também”, completa Vinicius.

Quando o assunto são redes sociais Breda marca presença no Facebook, Instagram, Snapchat, e Twitter. Adepto do mais recente fenômeno dos aplicativos para Android o jovem integra 18 grupos no Whatsapp, mas está realmente ativo em apenas cinco. Segundo ele com o Whats o acesso ao Facebook diminuiu. Os amigos no aplicativo são separados por tema ou seriedade. Há os de faculdade, úteis para esclarecer dúvidas, e aqueles só de “zoeira”.

O Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) ainda aponta o Facebook (65), Google (33), Gmail e Hotmail (empatados com 23) e YouTube (21) como aplicativos mais baixados. E acessar redes sociais é a tarefa mais realizada por 80 dos usuários, seguido de ouvir música (77) e de efetuar pesquisas (75).

Apesar das múltiplas funções dos celulares o Ibope ainda aponta as ligações como a tarefa mais realizada (92). Fato refutado pelos moços. A mãe de Vinicius já sabe que para dialogar com ele só mandando uma mensagem. “Faço pouquíssimas ligações, recebo mais por questões profissionais. E não tenho paciência pra falar então fico mandando mensagens”, declara o DJ.

O celular como bem de distinção social conecta os estudantes a um estilo de difícil acesso no núcleo familiar. “O aparelho precisa ser grande, ter touchscreen, ser leve e com muitas funcionalidades. Investigar o fenômeno contemporâneo do consumo juvenil pelo aparelho de celular revela práticas culturais de uma nova tecnicidade”, afirma a mestre em Comunicação Midiática Flora Dutra.

“Quem tem celular tem o universo na mão. Tudo esta na internet, e quem esta nela está conectado ao mundo”, sintetiza Vinicius. “Às vezes é uma opção ficar desconectado, mas até minha avó tem celular com Whats para trocar imagens. É um status por tecnologia”, conclui.

APLICATIVOS REVOLUCIONÁRIOS

Lançado há seis anos, o Whatsapp chegou a 600 milhões de usuários no segundo bimestre de 2014 e desponta como mais recente aquisição de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook. Esta operação de compra e venda rendeu ao criador e diretor da empresa que desenvolveu o aplicativo Jan Koum, 16 bilhões de dólares.

Enquanto o pessoal do Vale do Silício investe e arrecada fortunas, em apenas um movimento de rotação da Terra, 64 bilhões de mensagens gratuitas são enviadas. Dentre elas vídeos como “Taca-le pau” e “Celera”, e fotos polêmicas de estrelas de Hollywood ou até mesmo de vizinhos e conhecidos. Esse startup deve parte de seu sucesso à tecnologia 3G.

De acordo com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), em agosto de 2014 a cobertura do sistema Banda Larga chegou a 201,1 milhões de pessoas. E desses, pouco mais de 90 possuem a técnica em terceira geração. Em Presidente Prudente as quatro maiores operadoras de telefonia celular oferecem o serviço.

Em 2013 foram 1.360 reclamações registradas na Anatel contra operadoras de telefonia celular. No momento a única queixa de João Manuel é a impossibilidade de deslizar os dedos no display. Por volta das 15h ele admitiu a falta que sentia do objeto. Mesmo assim aproveitou o dia para jogar futebol. 

A pesquisadora Flora Dutra vê nos celulares a possibilidade de inclusão social de jovens, adultos e idosos.  “Hoje o Brasil há mais de 217 milhões de celulares, a maior parte pré-pagos e com acesso à internet. Ele tornou-se um artefato cultural ‘quase’ que obrigatório. Para a maioria das pessoas uma extensão do corpo”, pontua.

Aqui vale emendar a afirmação ironizada por Marshall Mcluhan em “Os meios de Comunicação como extensões do homem”. Pois General David Sarnoff considerava os produtos da ciência moderna em si nem maus nem bons é a utilização deles que determina seu valor, para Mcluhan isso seria o mesmo que dizer que “se os estilhaços atingem as pessoas certas, as armas são boas”.

Para o pensador contemporâneo, Sarnoff ignorou a natureza do meio como se hipnotizado pela amputação de seu próprio ser substituído por uma forma mecânica. No livro ele conceitua o meio como sendo “a mensagem”. Dessa forma, pode-se definir os celulares como meio de comunicação, pois a mensagem resulta das mudanças sentidas em função da tecnologia nas coisas humanas.

Ao final do período de abstinência, João Manuel percebeu ter ficado tentado a consultar as atualizações diversas vezes. E o horário de almoço foi o pior momento. Ele recebeu de apenas um de cinco grupos do Whatsapp 36 mensagens e nenhuma ligação ou SMS. Quanto ao teor delas a maioria se restringia a vídeos e fotos dos próprios amigos. Só uma pessoa perguntou por que ele não respondia.

João Manuel reconhece o mau hábito e reflete que os momentos ociosos poderiam ser dedicados as estudos ou a ler notícias. “Senti-me agoniado porque está na rotina ficar olhando o celular. E necessidade não há, porque houve um tempo que não usava. É um vício mesmo”.

Para dona Delaide a juventude de hoje tem mais liberdade e aparentam maior capacidade de aprendizagem. Apontando para os netos diz “parece que cada vez vai avançando, desse tamanho já fazem as coisas. Eles são espertos, olhando eles pegam as manhas. Até hoje eu não entendo nada disso. Demorei anos só pra aprender a andar de bicicleta”, compara aos risos.

Podcast alunos de Comunicação debatem importância dos celulares