Estranhos no ninho

Eles falam outra língua, tem costumes diferentes dos nossos, sentem saudades de casa e as dificuldades não param por aí. Conheça quais são os principais obstáculos culturais para os estrangeiros que vivem em Presidente Prudente

Por: Violeta Araki

O que é um estrangeiro afinal?

Estranhos no ninho

Alguns atravessaram dois oceanos, várias longitudes e uma dúzia de fuso-horários. Outros desceram apenas algumas latitudes. Não que a diferença no tempo e distância da viagem seja determinante para descrever com precisão uma das dificuldades pelas quais passaram os estrangeiros que hoje moram em Presidente Prudente. Mas esta parte dá ao menos uma dimensão dos obstáculos que tiveram de enfrentar desde a partida do país de origem até a chegada a esta cidade.

O que é um estrangeiro, afinal? É um ser normal num país estranho? É alguém que deixou suas raízes atrás do horizonte que se podia ver da janela do avião? É uma pessoa angustiada de saudades de casa, mas ávida também por conhecer uma cultura diferente? O escritor Albert Camus até poderia descrevê-lo como um indivíduo indiferente às regras morais no célebre O Estrangeiro (1965, Record), mas nem ao final de quase 300 páginas conseguiu imprimir uma definição final a ele.

Estas tentativas de explicar a pessoa nascida fora do Brasil se interrompem por aí justamente pela indefinição que cerca mais do que ela é, mas também o que ela sente.

Na obra Nihonjin, de Oscar Nakasato, as histórias dos imigrantes japoneses que vieram ao Brasil vão ao encontro do esforço em descrever o que representa ser um “estranho no ninho”, ainda mais quando este ninho é um país culturalmente distante do local de origem. Nakasato tem em mente dar uma dimensão aos brasileiros, do choque de valores entre ocidentais e orientais e ao mesmo tempo retratar o empenho dos estrangeiros em manterem vivas e fortes as suas tradições.

Quem são eles?

Até 2010, Presidente Prudente abrigava 606 pessoas nascidas em países estrangeiros, o que equivalia a 0,29 da população, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desse total, havia 308 pessoas naturalizadas brasileiras e 298 que se declaravam estrangeiras.

Em cidades do porte aproximado de Presidente Prudente (207.610 habitantes segundo o IBGE), os imigrantes representam menor número proporcionalmente. Araçatuba, com 181.579 habitantes, abrigava 241 estrangeiros em 2010. Em Marília, eles somavam 464 pessoas para uma população de 216.745 habitantes.

Ainda de acordo com o IBGE, é possível constatar que esta legião estrangeira vivendo na cidade caiu 44 em comparação a 2000. E isso não só no âmbito local como em escala nacional, onde o número foi 0,40 em 2000 para 0,31 dez anos depois.

Enfrentar horas de voo, terra e língua desconhecidas e costumes absolutamente diversos dos seus constam nos desabafos de várias dessas pessoas. Comida salgada, intimidade em excesso, calor descomunal. A vida dos estrangeiros nem sempre é um mar de rosas.

Que o diga a espanhola Irene Gomez, 26, cuja relação com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos rendeu momentos inesquecíveis de frustração. Ela iniciou uma verdadeira maratona para reaver o pacote extraviado que seus pais tinham mandado da Espanha. “Foi uma luta, recorri a todos os órgãos responsáveis aqui e em São Paulo e fui até a defensoria pública, mas consegui a encomenda de volta”, diz.

Já para a chinesa Wu Yugiong, 47, a pedra no sapato sempre foi em relação à língua. “No início não falava quase nenhuma palavra em português e até passei por momentos constrangedores por não entender o idioma”, relata.

A professora mestre em Linguística Gisele Alfena observa que, principalmente quando a cultura é muito diferente, o indivíduo cria barreiras para assimilar a nova língua. “É como se ela criasse aquele bloqueio por não querer perder o vínculo que tem com a cultura de origem.” Confira na íntegra a entrevista com Gisele Alfano.

Apesar das dificuldades, para cada um dos estrangeiros, junto com o aprendizado do dia a dia longe de casa surgem também histórias surpreendentes, daquelas que não caberiam na mala, se acaso retornarem um dia ao país natal, mas poderiam ser levadas na bagagem da lembrança.

Gelise Alfena– Mestre em Linguística e Filologia

Mestre em Linguística e Filologia, a especialista defende o ensino de idiomas direcionado ao uso mais real da língua no cotidiano dos estudantes.

Revista Prisma: É correto falar em línguas mais difíceis que outras?

Gelise Alfena: Não, não devemos falar que uma língua é mais rica ou mais difícil do que a outra sob o ponto de vista linguístico. Existem diferenças, peculiaridades em cada uma delas. Cada língua possui diferentes níveis de descrição: fonético, sintático e semântico. Seria assumir uma visão totalmente etnocêntrica e reducionista acreditar que o português é uma língua mais difícil que todas as outras.

Revista Prisma: Quais as dificuldades no aprendizado de um novo idioma?

GA: O aprendiz de uma nova língua traz espontaneamente traços da sua própria língua, como por exemplo, os padrões de ritmo e entonação. Isso é um fenômeno natural. Se pedirmos para uma criança pronunciar uma palavra em qualquer língua estrangeira, ela certamente pronunciará de uma forma muito mais perfeita do que um adulto, pois essa criança ainda não internalizou todos os fonemas (sons) da língua materna, em nosso caso o Português. Porém, o adulto encontra dificuldade porque, se por um lado ele tem todo o conhecimento de mundo e a bagagem cultural acumulada ao longo da vida, por outro, ele já incorporou toda a estrutura linguística do próprio idioma, daí sente mais dificuldade.

Revista Prisma: E mesmo entre os adultos, percebemos que há pessoas com maior facilidade de aprendizado da língua que outras. Por que isso ocorre?

GA: Além de questões subjetivas, principalmente quando a cultura é muito diferente, (comparando-se, por exemplo, a cultura ocidental com a oriental), às vezes, inconscientemente, a pessoa cria barreiras para assimilar essa nova cultura. É como se ela criasse “um bloqueio” por não querer perder o vínculo que tem com a cultura de origem.

Revista Prisma: Quais as diferenças de se aprender um idioma em escolas e no exterior?

GA: Bem, podemos considerar que há duas modalidades da língua, a oral e a escrita. Nós frequentamos cursos que ensinam a escrita como se fosse uma cópia da oralidade. Quando viajamos para fazer um curso no exterior e nos deparamos com o uso real da língua, não encontramos aquela estrutura “mecanizada”, daí as dificuldades na assimilação de um novo idioma. É preciso, portanto, que os professores não tratem o idioma como se houvesse somente uma única modalidade. Creio que seja necessário utilizar métodos voltados para um uso mais real da língua.

Pílar Cruz Oliveira

Ela já conheceu vários países e provou diversos sabores, mas o prato mais tradicional do México nunca saiu de sua lembrança.

Para a mexicana Pilar Cruz tão difícil quanto achar tortilhas no mercado foi descobrir o significado da expressão: “cadê”.

“Assim como o sonho americano está para os mexicanos, o sonho mexicano está para os chilenos”, conta Pilar Cruz Oliveira, 31 anos, natural da Cidade do México. Ela notou isto quando esteve no Chile, em congresso missionário cristão do Ceape (Centro de Aperfeiçoamento para Pregação do Evangelho). “Bastava eu dizer que era mexicana que eles abriam um sorriso enorme e logo queriam saber mais sobre meu país”, observa.

Pílar experimentou o tal sonho americano pelos oito anos em que permaneceu na Califórnia, na costa leste norte-americana. Ali, enquanto trabalhava como cuidadora de idosos, mesmo sem saber falar quase nada de inglês, tinha nas mangas algumas táticas para se comunicar e aprender o idioma. “Eu fazia sinais para a velhinha e perguntava em espanhol mesmo ‘o que é isso’. Então ela falava flower, por exemplo, e eu repetia. Assim aprendi minhas primeiras palavras.”

Depois dos Estados Unidos, ainda teve oportunidade de conhecer o Paraguai, o Chile e o Brasil. Em Presidente Prudente está há alguns meses, por causa também do trabalho do marido. Nesta parte da história, Pilar só lamenta o fato de não ter conseguido se casar junto de sua família, no México, por causa da burocracia com a documentação do esposo brasileiro.

Algo do qual Pilar também se queixa é a falta das tortilhas, comida muito tradicional no México. A primeira coisa que fez quando aqui na cidade foi procurar as tortilhas no supermercado, todavia em vão, pois o máximo que conseguiu achar de parecido foi massa de pastel. “Nem consigo nem descrever o sabor das tortilhas mexicanas de tão que é. Sonho com o dia em que vou comê-las de novo”, diz.

Mesmo depois de algum tempo morando por aqui, para Pílar algumas expressões idiomáticas só fizeram sentido depois de muito esforço para compreender o significado. “Perguntava para mim cadê João?, cadê Maria?, e eu não tinha ideia de que estavam querendo saber onde estavam eles”, conta. Mas conhecer a fundo o novo idioma é mais um desafio para ela. “É sempre bom aprender mais a cada dia.”

Clandestinos na América
Livro que mostra as dificuldades da travessia ilegal da fronteira entre México e EUA e traz uma análise sobre o abismo de diferenças entre países ricos e pobres.

Na trilha da imigração ilegal aos EUA
Reportagem do New York Times veiculada em português na Folha de S. Paulo aborda o número crescente de imigrantes mexicanos que atravessam ilegalmente a fronteira norte-americana.

Wu Yugiong

O entrave da nova língua foi durante muito tempo a pedra no sapato para esta comerciante oriental.

A comerciante Wu Yugiong esbarrou na dificuldade da língua portuguesa quando chegou ao Brasil, há 16 anos.

Wu Yugiong, 43 anos, partiu de Guangdong, província localizada no sudeste da China, em uma tarde quente de quinta-feira do ano de 1997. Chegou a São Paulo mais de 23 horas depois ao melhor estilo chinês: cheia de coragem e determinação. Um ano depois estava em Presidente Prudente, onde passou a trabalhar no restaurante/lanchonete do cunhado. Suas duas filhas nasceram por aqui.

Apesar de ter se preocupado em aprender pelo menos o básico de português antes de viajar, Wu Yugiong foi surpreendida por não entender absolutamente nenhuma palavra quando teve de se comunicar com os brasileiros. Até os numerais, que tanto fez questão de memorizar a pronúncia, não faziam o menor sentido para ela quando saíram da boca das pessoas.

A língua portuguesa impôs situações constrangedoras para Wu Yuqiong. Certa vez, num estabelecimento público, quase entrou no banheiro masculino ao invés do feminino pela falta de placas com o ícone indicador de “eles” e “elas”. Em outra ocasião, comprou equivocadamente laranjas em vez de limões por confundir as frutas no mercado. Acostumada à cor amarela do limão chinês, ela logo pensou que a laranja brasileira se tratava da mesma coisa. Ao se dar conta do engano, a surpresa foi azeda.

Difícil também foi se habituar ao jeito brasileiro de deixar tudo para a última hora e o desrespeito geral que percebe no povo daqui, como responder quando vê uma criança responder aos pais. “Na China, a educação é muito rígida, as pessoas são muito respeitosas umas com as outras, independentemente da idade”.

Mas, por cima das dificuldades, a chinesa sente-se feliz por ter sido bem acolhida e não faz planos de retornar ao país natal.

Decifra-me se for capaz
Reportagem da Revista Época sobre o aprendizado do mandarim

Irene Gomez Vallejo

Ineficiência nos serviços públicos e descaso com os direitos do cidadão esgotaram a paciência desta professora espanhola.

A espanhola Irene Vallejo gastou horas no telefone por causa de uma cobrança indevida que recebeu no Brasil

A crise econômica que se abateu sobre a Europa em 2011 e escureceu o céu de muitos países, entre eles a Espanha, fez com que muitos trabalhadores perdessem seus empregos e estudantes recém-formados não conseguissem trabalho. No primeiro trimestre daquele ano, o índice de desemprego chegou a 21, 3, atingindo cerca de 4,9 milhões de pessoas, segundo a BBC Brasil.

No ano seguinte, a situação piorou. A taxa de desempregados na Espanha foi a maior da Europa, e entre os jovens superou 50, de acordo com o Eurostat, Escritório de Estatísticas da União Europeia.

Foi nesse cenário que, há onze meses, a espanhola Irena Vallejo, 26 anos, decidiu deixar seu país para procurar trabalho no Brasil. Formada em Nutrição e Tecnologia de Alimentos, ela não achou colocação no mercado após a faculdade. Mas depois de chegar ao solo brasileiro, não demorou muito a arrumar uma vaga de professora numa escola de idiomas em Presidente Prudente.

Para ir ao trabalho, Irene depende de transporte coletivo. É aí que as diferenças entre Brasil e Espanha começam a aparecer. “Aqui o sistema de ônibus é precário. As pessoas têm que ficar esperando muito tempo nos pontos e não há placas com informações de horários, linhas e roteiros”, diz. Em Valladolid, sua cidade natal, isso é totalmente impraticável. “Lá é fácil tomar ônibus, a gente quase não usa o carro.

A insatisfação com os serviços públicos brasileiros se estende à área de saúde. Quando a espanhola ficou doente e buscou ajuda no hospital, ficou abismada pelo demora no atendimento e pelo descaso com que sua enfermidade foi tratada. “Me deram somente soro na veia, não fizeram exames e não passaram a medicação correta”, desabafa.

Doente de raiva Irene ficou em outra ocasião, devido à dor de cabeça com os Correios. Seus pais enviaram uma encomenda pesada, que demorou bastante para chegar ao Brasil e da qual foi cobrado um tributo não permitido por lei. Além disso, o pacote ainda foi extraviado no meio do caminho

Irene gastou horas com ligações para a administração dos Correios tanto em Presidente Prudente, quanto em São Paulo. Também procurou a defensoria pública por causa da tributação ilegal sobre sua encomenda. “Foi uma verdadeira maratona”, afirma. No fim, depois de muito lutar por seus direitos, conseguiu o pacote de volta.

A visão de Irene sobre o Brasil, assim como de outros estrangeiros alerta para situações as quais, infelizmente, os brasileiros se acostumam a passar sem reflexão ou crítica. Quantas vezes se engole um prejuízo? Seja ele de um pacote extraviado, da precariedade do transporte público ou de esperas intermináveis em um corredor de hospital.

Razões para conhecer a Espanha
A Espanha tem roteiros turísticos ricos em tradição, história e cultura. No primeiro semestre de 2013, o país atraiu 34 milhões de visitantes e foi o destino preferido na União Europeia, segundo a Organização Mundial do Turismo.

Carol Kohatsu

Um, dois, feijão com arroz? Três quatro, chega de feijão no prato.

“Aqui a comida é muito salgada”, reclama a estudante peruana Carol Milagros Kohatsu

O clima de Presidente Prudente, onde a temperatura frequentemente ultrapassa os 40º graus, foi a primeira coisa que assustou a peruana Carol Milagros Kohatsu, 22 anos. Estudante de Psicologia, há quase um ano ela fez transferência para o curso da Unoeste.

Além do clima quente, Carol viu na alimentação outro problema. “No começo foi muito difícil me acostumar com a comida brasileira. Aqui se come muita carne, massas e é tudo muito salgado!”, reclama. Tanto quanto a saudade de casa, a culinária peruana, rica em peixes, batata e milho, também lhe faz falta.

O feijão nosso de cada dia nunca desceu muito bem para ela. “Nos tempos em que eu pegava marmita, tinha que o comer todos os dias. Acho que me traumatizou”. Não que no Peru não exista feijão, mas segundo Carol, ele tem um sabor mais leve.

As diferenças culturais não se apresentam à estudante somente na alimentação. Também se mostram em outros aspectos do cotidiano. Carol observa que em barzinhos da cidade, geralmente é permitido colocar mesas nas calçadas, algo proibido e impensável para os padrões peruanos. Mas se por um lado essa situação é menos rígida aqui, por outro, a questão da regulamentação dos taxistas é mais rigorosa que no Peru, onde qualquer um pode guiar um taxi. Basta ter um carro e saber de cabeça o mapa da cidade. Além, claro de suportar o trânsito confuso.

“Pelo menos aqui em presidente Prudente o trânsito é organizado, cada um fica numa faixa. Em Lima, é o fluxo é bem desorganizado e barulhento. Acho que vocês não têm do que reclamar aqui”, brinca.

Os Sabores de Lima
O jornal O Globo traz uma reportagem sobre a culinária peruana, com um olhar atento sobre a riqueza gastronômica da capital do país.

Descubra mais sobre culinária, costumes e história peruana

Links e outros materiais interessantes sobre esse assunto

Registro dos estrangeiros no Brasil
Página do Portal Brasil que explica os procedimentos para fazer o registro obrigatório no Ministério da Justiça. 

República Imigrante do Brasil
Texto explicativo: Com uma estética informativa inteligente, este infográfico da revista Superinteressante mostra um panorama da imigração no Brasil desde o século XVII até os anos 2000.

Bem-vindo à xenofobia
Artigo de Marcelo Coelho, membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo, sobre a questão da aversão a estrangeiros, publicado na época em que o programa federal “Mais Médicos” estava no auge da polêmica.

O estrangeiro. (Albert Camus. Editora Record.)
Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, Albert Camus narra a história de Mersault, o homem que simboliza o absurdo de uma existência. Os valores morais são postos à prova neste romance reconhecido mundialmente por seu teor filosófico.

Nihonjin. (Oscar Nakasato. Benvirá, 2001.)
Vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura, a obra traz a história de algumas famílias japonesas imigrantes no Brasil. O romance privilegia o conflito entre as visões dos orientais que se adaptam à nova terra e dos que insistem em permanecer ligados às suas origens.

O estrangeiro
Canção O estrangeiro- Caetano Veloso

O último Samurai
O Último Samurai, 2003, EUA. Warner Bros. Pictures

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Créditos: Violeta Araki