O DESTINO DOS ÚLTIMOS SELOS

O número atual de cartas enviadas em Prudente é tão pequeno que não chega nem a ser contabilizado pelos Correios

Por: Vinicius Pacheco

Exmos Senhores,

A primeira coisa a se fazer era escolher um papel bonito; depois, usar lápis ou caneta para sintetizar em palavras tudo aquilo que havia se passado entre esta e a mensagem anterior. Envelopar, selar e levar até o correio eram os passos seguintes para se enviar uma carta para parentes, amigos (as) e namorados (as). Todos estes procedimentos já se resumiram a poucos cliques no computador e o envio instantâneo de um e-mail.

Vinte e nove milhões de correspondências. Este é o número de envelopes que são recebidos diariamente nas agências, encaminhados a um centro de distribuição, levados até a cidade de destino por vans, caminhões ou avião e distribuídas pelos agentes de casa em casa em todo o Brasil. Mas segundo o gerente de operações dos Correios na região de Presidente Prudente, Cláudio Luciano Ferreira, 34, já se nota uma queda nesta quantidade. “Há três anos, eram 32 milhões de cartas por dia em todo o país”, informa.

Ele comenta que a carta simples, ou seja, aquela que é enviada de pessoa física para pessoa física, se tornou raridade. Das cerca de 1800 encomendas que passam pelas três agências presentes na cidade diariamente, a minoria é formada por mensagens pessoais. “Nem contabilizamos este número, pois é muito pequeno”, comenta.

Dentro desta minoria, se destacam as mensagens enviadas de presidiários ou para eles, a chamada ‘carta social’. Pelo preço de R$ 0,01, é a oportunidade dos presos deixarem sua voz superar as grades e se comunicarem com as respectivas famílias. Os parentes precisam apresentar comprovantes de seu baixo rendimento, como o cartão do Bolsa Família, para aproveitar este benefício. “Em algumas penitenciárias, chegamos a recolher 100 cartas por dia para enviarmos aos familiares”, diz Cláudio, que trabalha nos Correios desde 2001.

Outros países também são alguns dos destinos daqueles que ainda mantém o hábito de enviar cartas. “Em cidades com grandes colônias de imigrantes, existe um número maior de envio de mensagens internacionais”, afirma. Bastos (SP), por exemplo, registra um número acentuado de encomendas para o Japão. Uma “carta mundial”, que já vem em um envelope pré-selado, para a terra do sol nascente custa por volta de R$ 1,45, se o pacote tiver até 20 gramas.

Ainda segundo o gerente de operações, março é o mês com maior volume de correspondências, mas não tem nada a ver com troca de informações pessoais. “É que neste período são enviados diversos comprovantes para serem incluídos na Declaração do Imposto de Renda”, explica. O aumenta gira em torno de 30.

Sim, a época da pena e tinta nanquim para escrever à luz de velas já passou. E os Correios continuam em constante atualização para se adequar aos novos tempos. Cláudio afirma que o número reduzido de cartas pessoais já fez com que os Correios pensassem em soluções para este período de migração para a plataforma virtual. “Já desenvolvemos projetos híbridos, com o objetivo de integrar os locais e facilitar o envio. Em um destes projetos, o remetente pode digitar uma carta no site dos Correios e enviar. Ela será impressa na agência mais próxima à residência do destinatário”, informa.

Porém o início desta forma de comunicação não tinha nada de rápido ou tecnológico aqui no Brasil. O mar é que transportava as mensagens até seus destinos. Não, não pense que eram colocados textos em garrafas e soltos nas águas do oceano, como visto em filmes – “Uma Carta de Amor” (1999, 2h15, Warner Bros). Elas eram transportadas pelas caravelas e barcos que atravessavam a imensidão das águas e selar o compromisso da entrega aos respectivos destinatários.

É o caso da clássica carta de Pero Vaz de Caminha que, de acordo com o histórico disponível no site oficial dos Correios, é considerado o marco inicial dos serviços postais em terras brasileiras. Sob domínio português, as “Cartas do Mar” eram a forma pela qual o Rei Dom Manuel I conseguia manter o controle sobre a chamada inicialmente de Terra de Vera Cruz sob seu comando.

Mas o trabalho dos Correios começa a ganhar força a partir da chegada da família real ao país, em 1808. Nas décadas seguintes, a carta passou por processos de regulamentação, para ser entregue de casa em casa a partir de 1835 (antes apenas locais comerciais do Estado do Rio de Janeiro contavam com este benefício), com a utilização de cavalos como meio de transporte.

Muita água rolou após isso e quanta diferença podemos notar hoje em dia: os carteiros de todo o Brasil percorrem cerca de 397 mil quilômetros, ou seja, quase 10 voltas ao redor da Terra, em apenas um dia. Sem contar que já começaram a utilizar smartphones para a atualização mais rápida das entregas. Mas a tecnologia não substitui o bom, velho e clássico papel.

Assuntos envelopados

Em alguns casos, a carta é uma solução quando faltam as palavras para se conversar. “Envio figuras, fotos de onde estou vivendo e textos curtos. Até o papel de carta já fiz. Depois conversamos por telefone sobre a carta que enviei e o que significa cada coisa”, relata o instrutor de Internet Leandro Barbosa Mariano, 37, morador de Presidente Prudente, que se corresponde com a filha Isadora, de 7 anos. Ela mora em Bauru (SP) com a mãe, ex-esposa do profissional.

Os 320km de distância entre eles já foi percorrido por três cartas desde que Leandro se mudou para Prudente, há um ano. Ele explica que optou por este meio de comunicação pelo efeito que ele gera. “Minha meta inicial era falar pela internet, mas a carta gera mais expectativa, consegue prender a atenção dela e desperta a sua curiosidade”, diz.

Isadora ainda não mandou nenhuma carta para ele, mas só de provocar uma conversa sobre novos assuntos com a filha já serve de incentivo a enviá-las com maior constância e preparar a próxima, que já está prestes a ser enviada. “Consigo transmitir minhas ideias e falar de assuntos diferentes com ela. Sem contar a emoção de esperar a chegada do envelope. Muitas vezes a gente perde estas coisas mais simples e importantes”, declara.

Agradeço desde já a atenção dispensada.

Com os nossos cumprimentos,

Revista Prisma

AMOR CORRESPONDIDO

Em 1935, Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos, diz em sua poesia “Todas as Cartas de Amor São Ridículas” que só quem não as escreveu são ridículos. Mais de 300 pessoas provaram que não fazem parte dos que merecem este adjetivo.

As cartas já uniram 180 casais por intermédio do apresentador de televisão Gentil Rossi, que comanda o quadro “Namoro por Correspondência” desde o começo do ano em seu programa na TV, exibido aos domingos pela manhã para toda a região de Presidente Prudente e São José do Rio Preto, e produzido nesta última cidade. A atração começou na Rádio Piratininga, onde Gentil realiza o quadro desde 1974.

De acordo com a produtora e filha de Gentil, Dândria Rossi, 44, são recebidas de 60 a 70 cartas por semana. “A maioria são pessoas mais velhas e presidiários, que buscam uma nova oportunidade de se apaixonar e conhecer um companheiro”, explica. Todos estão em busca de uma relação mais próxima, que não fique só na palavra escrita. Porém alguns citam certas requisições. “Alguns exigem que as companheiras sejam loiras, outros morenas. Sem contar que já recebemos mensagens de pessoas procurando japonesas, italianas…”, comenta.

Assim como as preferências são variadas, o perfil do público que envia as correspondências também é. “Recebemos muitos casos de pessoas tímidas e de mais idade. Mas também surgem algumas de jovens entre 18 e 25 anos”.

O e-mail está lá, disponível para todos que preferem utilizar os recursos digitais, entretanto… “Nunca recebi um e-mail para o quadro. Sempre cartas”, declara Dândria.

Links e outros materiais interessantes sobre esse assunto

Carta de Pero Vaz de Caminha
A versão completa do documento está disponível na página virtual da Biblioteca Nacional. O texto relata detalhes do encontro entre os portugueses e os índios e as primeiras impressões sobre a nova terra.

Cartas” , de Graciliano Ramos (1980, Ed. Record)
A obra traz várias cartas pessoais escritas pelo autor brasileiro, selecionadas por sua segunda mulher, Heloísa Ramos, e revela como ele se comportava em seu cotidiano, resgatando a relação com seus filhos e as correspondências íntimas enviadas a sua primeira mulher, Maria Amélia. Doze aos depois, também foi lançado um trabalho semelhante: “Cartas de Amor para Heloísa” (1992, Ed. Record) concentra as mensagens trocadas apenas com a segunda esposa.

Cartas do Front – Relatos Emocionantes da Vida na Guerra (2007, Zahar), de Andrew Carrol
O livro reúne correspondências de soldados e civis que participaram, de alguma forma, dos vários conflitos na história mundial. Entre os documentos que compõem a obra, estão mensagens manuscritas da Guerra de Independência norte-americana e e-mails enviados do Afeganistão.

A Carta”, interpretada por Renato Russo e Erasmo Carlos
A letra de Benil Russo e Raul Sampaio traz um relato de saudade de um amor distante. Em pouco mais de 4 minutos, os músicos relatam os passos para escrever nas “maltratadas linhas”.

Cartas de Iwo Jima (2007, Warner Bros.), de Clint Eastwood
Em 1944, período da Segunda Guerra Mundial, Tadamichi Kuribayashi (interpretado por Ken Watanabe), o tenente-general do exército imperial japonês, chega na ilha de Iwo Jima, considerada a última linha defesa do país. Enquanto os soldados preparam estratégias para sobreviver aos ataques dos Estados Unidos, escrevem cartas que relatam a visão japonesa sobre as batalhas. Confira o trailer em inglês:

Como seria a Carta de Pero Vaz de Caminha na era da internet?

Confira uma adaptação que a Revista Prisma fez da histórica carta que marcou o “descobrimento” do Brasil.

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