QUEM É SEU DEUS

Existem vários movimentos religiosos no Brasil e no mundo. Nesta reportagem você conhecerá as crenças, questionamentos e filosofias de vida, sempre respeitando as diferenças uns dos outros e sabendo enxergar o ser humano como único.

Por: Amanda Albuquerque, Guilherme Napoleão, Ingrid Rocha e Maiara Pavan

Gerusa, Filemon, Geiseane, Gemeniane, Gedeane e Thiago fazem parte de uma família pernambucana que há cinco anos levantaram acampamento do nordeste para morar no interior de São Paulo, em Martinópolis, devido ao trabalho do pai, o senhor Filemon.

Entre uma viagem e outra, a família nunca se desapegou da fé. Os obstáculos bateram à porta, como quando a família estava passando por dificuldades financeiras e Gedeane Maria Salles (18), a mais nova entre as irmãs, pediu à Deus que um emprego aparecesse para que ela ajudasse nas despesas da casa.

Na foto, da esquerda para direita estão as irmãs Geiseane, com 8 anos, Gemeneane, com 7, e Gedeane aos 4 anos, indo para um Congresso Infantil da Assembleia de Deus. (Foto cedida)

“Quando fui chamada para uma entrevista de emprego, várias outras pessoas também estavam concorrendo à vaga. Acreditei tanto que algo maior estava preparado para mim, que fui a primeira a ser chamada para a entrevista e até hoje estou empregada”, conta.

E essa não foi a única prova de Deus que a família teve. Aos dois anos de idade, a outra irmã, Gemeniane Maria Salles (21), sofreu um acidente onde 85 do seu corpo foi queimado em razão de uma água fervendo que a mãe, Gerusa Salles, estava aquecendo para um café. Com mais de três terços do corpo queimado, as chances de sobrevivência eram mínimas, enquanto as de sequelas eram gritantes.

 “A minha mãe me conta que quando isso aconteceu, eu chorava e gritava muito e corria pela casa de dor. Os vizinhos, que eram evangélicos, estavam ouvindo tudo aquilo e começaram a orar para que eu dormisse e assim fosse levada até o hospital: Em questão de minutos eu adormeci”.

As irmãs contam que a religião influencia em todas as decisões que a família irá tomar, já que, antes de tudo, eles pedem sabedoria e discernimento à Deus. “Só Ele sabe o que é melhor para nós”, definem. Eles pertencem à Assembleia de Deus – um grupo de mais de 140 agrupamentos nacionais de igrejas autônomas.

AS VÁRIAS TEOLOGIAS

Não há uma data absoluta para o surgimento das religiões ao redor do mundo. Sabe-se que desde as primeiras civilizações, crenças mitológicas já eram percebidas em torno da sociedade, que também resultaram no surgimento da Teologia. De acordo com o teólogo Joilton Carlos da Silva, atualmente no Brasil existem várias vertentes teológicas, que são pregadas por líderes religiosos de acordo com aquilo que cada igreja segue.

“Certa igreja prega a teologia da prosperidade, que diz que para as pessoas ganharem dinheiro, é necessário pagar o dízimo”, explica. Joilton também fala sobre a Teologia da Cura e Libertação, onde pessoas são curadas somente pela palavra de Deus.

Entre Espírito Santo, Deus, Alá, Jeová e as demais denominações do que é a verdade, o Budismo aparece como um sistema filosófico e religioso que afirma que se dar conta do sofrimento é essencial para a existência humana.

SOBRENATURAL

Patricia Calabrez Branco, estudante, que atualmente mora em Presidente Prudente, conta que o espiritismo surgiu em sua vida quando tinha 13 anos, momento em que sua mãe começou a frequentar o centro espírita em sua cidade natal, Palmeira do Oeste-SP.

“Eu acompanhei e comecei a ir ao centro de estudos para jovens. Lá tinha uma pessoa que ensinava e estudava a doutrina espírita e sempre frisava que não adianta nada aprender e não praticar os ensinamentos”, diz a estudante.

Ela conta que a maioria dos membros de sua família que seguem a doutrina espírita é considerada médiuns e que sua mãe, irmã e tia já “viram e sentiram”, referindo-se a espíritos. “São histórias sinistras”.

Ela explica que é sensitiva, mas que devido ao receio, sempre pediu para nunca ver nada.

Quanto as experiências de seus familiares, ressalta: “Os espíritos nunca fizeram mal a eles nem ninguém que eu conheço, na maioria das vezes eles querem ajuda, e como sempre dizem: devemos ter medo dos vivos e não dos mortos”, acrescenta.

Na doutrina espírita, aquele que ministra os encontros dos seguidores é denominado como palestrante. “Ele explica que um dos principais aspectos que deve ser estudado por todos, independente da religião é a aceitação a opiniões culturas e crenças, sejam elas cristãs, budistas, evangélicas, protestantes. O espiritismo é uma religião embasada no amor e caridade”, explica a estudante.

Patrícia conta que, dentre um de muitos eventos mediúnicos em seu meio familiar, sua irmã lhe contou que em uma noite estava dormindo e sentiu o braço de um homem cobrir a boca dela. Patrícia e sua irmã dividiam o quarto, e diz que tinham o hábito de dormir com o quarto todo escuro, sem nenhum feixe de luz, e que por isso na ocasião sua irmã não conseguiu ver nada.

“Ela disse que tentou me chamar, mas não conseguiu. Então, ela começou a orar, se livrou e acabou adormecendo. Ao realizar um passe-consulta no centro espírita, foi informada que havia um rapaz que estava a acompanhando, pois dizia que ela era muito bonita e que queria se casar com ela, ou algo do tipo”, conta.

“Depois, o médium conversou com o espírito e ele foi para casa”, termina.

FILOSOFIA DE VIDA

Luana Cristina Camargo Pereira, estudante de Direito, é budista praticante e afirma não se tratar de uma doutrina, mas sim de uma filosofia de vida a ser exercida. “O Budismo é acreditar em você. Acreditar que tudo é possível e ter como objetivo maior a própria felicidade e também a do outro”.

Para Luana, Deus não é algo que se meça em palavras ou estereótipos. “Não que eu não acredite na existência Dele, mas para mim, ele está dentro de mim e nas coisas boas que a vida me proporciona. Isso é Deus”, define.

A estudante percebeu que o Budismo traduzia a sua fé quando sua irmã de 12 anos, que estava com câncer no pescoço, necessitava de apoio. “Percebi que ali eu precisava acreditar que tudo daria certo. Não era necessário que eu pedisse oração para ninguém, apenas acreditar que tudo iria dar certo”.

Entre uma quimioterapia e outra, a irmã de Luana conseguiu se curar do câncer e hoje leva uma vida tranquila e saudável.

MONOTEÍSMO X POLITEÍSMO

Não considerado como religião, mas como seita, o paganismo é um termo usado nas tradições não-cristãs politeístas, onde se acredita que ser pagão é acreditar que a natureza como um todo é a “Terra Mãe”, onde cada elemento é representado por uma entidade sem precisar provar nada para ninguém.

Matheus Honório, estudante de Jornalismo, até seus 16 anos foi um cristão protestante que pertencia à uma Igreja Pentecostal. “Depois que eu me afastei da igreja, senti um conforto maior no paganismo e virei adepto”.

A Igreja Pentecostal é um movimento derivado do Cristianismo que acredita que o Espírito Santo exerce dons sobrenaturais que podem ser manifestados no dia a dia, como por exemplo, o dom de falar em línguas. O nome tem origem no relato contido no capítulo dois, em Atos dos Apóstolos, entre os versículos um e quatro, que fala sobre a descida do Espírito Santo sobre os discípulos no dia de Pentecoste.

Segundo Matheus, o paganismo não se preocupa em converter as pessoas. “Não atacamos os diferentes. Respeitamos a individualidade de cada um”. Ele também explica que se trata de uma crença não-cristã e politeísta, que acredita na existência de vários deuses. “Nossas práticas têm sempre uma explicação histórica, assim como nossos ritos. É uma forma de nos ligarmos à natureza, que é nosso ‘deus’, ou seja, a Mãe Natureza”.

Para ele, Deus não é citado como um ser superior. “Não cremos que exista vida após a morte ou reencarnação, acreditamos que vivemos aqui e quando morrer acaba-se a vida”. Para o estudante, um ponto positivo no segmento que pratica é não tentar converter outras pessoas, como acontece na maioria das outras doutrinas.

“Nós respeitamos as outras religiões, diferentemente dos ataques que sofremos, banalizar aquilo que nãos e conhece foge dos princípios de empatia”, conclui o pagão.

Além disso, Matheus conta que não existe um lugar específico – templo, igreja – para praticar a crença. “Qualquer lugar pode ser usado e edificado como templo para nosso encontros e ritos”.

Não é de hoje que o paganismo sofre com a ignorância em relação à prática. Em 2015, a inauguração de um Templo Satânico em Detroit, nos Estados Unidos, levava a estátua de Baphomet, um ídolo pagão de com forte presença no universo ocultista e que muitas vezes é interpretado como a versão católica do Diabo.

Na verdade, Baphomet ou Bafomé, é uma criatura simbólica, com a cabeça de bode, touro ou chacal e corpo humano. Ou seja, sua representação consiste na ambivalência entre bem e mal, a luz e as trevas, o céu e a terra, o feminino e o masculino.

Estátua colocada como símbolo satânico na verdade é um ídolo pagão que representa a dualidade do bem e mal (Fonte: shutterstock)

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

Mesmo que pareça contraditório, a liberdade religiosa caminha de mãos dadas com a intolerância. Em junho de 2015, uma menina de 11 anos chamada Kaylane Campos, ocupou as páginas da grande imprensa brasileira com um curativo na testa em razão do linchamento que sofreu após sair de uma celebração do Candomblé, por evangélicos, que a lincharam gritando que ela iria queimar no inferno.

Já em 2016, o número de denúncias contra intolerância subiu 105, passando de 146 entre os meses de janeiro e setembro do ano anterior, para 300. O teólogo Joilton Carlos explica que a Bíblia quer dizer sempre a mesma coisa, entretanto, cada um pega uma parte e interpreta individualmente para pregarem aos seus fiéis.

“As pessoas até hoje matam em nome de Deus. Os terroristas quando vão fazer um atentado têm em mente de que quando morrerem vão ter um lugar no paraíso, 70 virgens vão estar esperando eles lá. Em todas as religiões existem os radicais”.

LIBERDADE RELIGIOSA

Carlos Alberto Benites Morgado Brito é um estudante de Direito de 22 anos, que todos os dias, ao acordar, olha para o céu e não acredita haver um ser divino nos olhando. Afinal, é ateu praticante que defende que a religião surgiu do medo dos primeiros humanos. “Analisando a história, vemos que a crença em algo divino e superior surgiu desse medo. Eles não podiam explicar os eventos naturais e por isso culpavam os deuses”.

Quando questionado sobre o que o levou a não acreditar em Deus, o estudante explica que foi criado dentro da igreja, seguindo todo o processo que envolve o catolicismo, frequentava a igreja, batizou, fez catequese e crisma. Porém, começou a desacreditar depois que entrou na faculdade “Sempre gostei de História, desde o ensino fundamental, gosto de saber o por quê das coisas e notei que a religião limitou muito meu questionamento”.

O estudante acredita que a crença pode impor medo nos fiéis em relação a punição, caso ajam contra a vontade de Deus e também há aqueles que usam a religião para justificar atitudes de ódio e ignorância, motivo pelo qual acaba afastando algumas pessoas de suas devidas religiões.

LEGISLAÇÃO

O choque de conceitos e verdades absolutas de cada um sempre está presente na maneira de se ver o mundo. Entretanto, é necessário ressaltar que segundo a Constituição Federal Brasileira de 1988, artigo 5°, inciso VIII, “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.

RESPEITO

Gedeane, a pernambucana que leva a religião como norte, acredita que a liberdade religiosa consiste em ter o seu espaço e praticar a fé, adorando a Deus. “Que eu possa me expressar, independentemente do lugar que eu esteja, e a sociedade possa respeitar essa minha escolha e não me proíba de expor minha opinião sobre assuntos a respeito dos ensinamentos e doutrinas da minha igreja”, explica.

Já Carlos Alberto, ateísta, afirma que não é de todo o mal ser religioso e que o problema em si, está no fanatismo. “Penso que, independente da crença, se a pessoa trata o outro como igual, com empatia, compaixão e respeito, ela já está fazendo uma diferença tremenda. Amor e respeito é o melhor caminho, para todas as situações”.

CURIOSIDADE

Você conhece a Assessoria da Diversidade Religiosa? Não? Ela é uma área da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República que planeja e articula políticas voltadas para a defesa e a promoção da liberdade religiosa no Brasil. Em 2013, essa assessoria criou o Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa, que tem como finalidade promover o direito ao livre exercício das diversas práticas religiosas no país.